Thursday, February 21, 2008

Cidade Maravilhosa!

Os sentimentos andam a uma velocidade muito superior à capacidade de os exprimir, escrita ou oralmente. Nem a riqueza da língua portuguesa, que nos permite contar e encantar com floreados e ginásticas linguísticas, atenua a essa amplitude de velocidade… Difícil é transpor para o papel o que se viu, viveu, sentiu, da forma como se viu, viveu, sentiu… Mas a vontade da partilha ultrapassa a inércia e transforma a incapacidade de expressão em sensações escritas.

O patriotismo conhecido deste povo é vivido a cada passo. A paixão de ser brasileiro, de ser carioca, de viver no Rio, encontra-se em cada rua, em cada táxi, em cada loja. A discrepância social evidenciada a cada esquina mostra-nos a verdadeira vida desta cidade. As muitas favelas implantadas nos morros misturam-se com os luxuosos prédios de segurança redobrada, esbatendo a mescla de estratos sociais numa una forma de ser.

A chegada ao Rio de Janeiro foi, como tantas outras chegadas, demorada, muito demorada. Deixámos Puerto Iguaçu com a alegria de estar cada vez mais perto de casa, e com uma imensa vontade de finalizar esta longa jornada na cidade maravilhosa. No entanto um raio de tristeza conseguiu atingir-nos. A despedida da Lizze foi dura. Com ela tínhamos partilhado tanto desta nossa aventura, com ela vimos, vivemos, sentimos… A certeza de nos voltarmos a ver um dia, não tão longe como outros que nos passaram pela viagem, ficou marcada naquele “até logo” quando a vimos partir no seu autocarro com um destino diferente do nosso.

No Rio íamos ao encontro de conhecidos portugueses que, por diferentes razões moram nesta cidade. Este encontro com os meus conterrâneos criou-me um conflito de sentimentos. Deixou-me saudosa de casa aumentando a minha ânsia de chegar, e na barriga fez aquele pequeno remoinho que desassossega e atormenta. Sem perceber bem porquê sentia medo, ou nostalgia do que começava a acabar. Estava a perceber que chegáramos ao fim. A felicidade de uma realização que sentia ter sido bem sucedida, e a tristeza da consciencialização do terminus da mesma realização pareciam pares de lágrimas a descer na mesma velocidade e proporção.

Mas a recepção lusa no país do Samba foi a melhor. Não havia quem não nos desse o seu tempo. Intercâmbios de estudantes e o consulado português foram a nossa casa, os nossos anfitriões. No momento da chegada, o calor era muito e com uma força que desarmava, a cidade era nova e desconhecida, a procura dos amigos tardava por acerto de pormenores de futuro, o trânsito era denso e confuso, a vida corria na banal e agitada rotina urbana… Há mais de todas as horas que fazem um dia que estava em viagem, já uma cama me chamava há que tempos… só ela me podia salvar daquele esgotante e aniquilador cansaço. Mas finalmente encontrámos os prometidos Amigos o que deixou o meu cansaço descansar pelo descanso que se adivinhava para breve. Mesmo tardando o breve, continuava a euforia da chegada à cidade maravilhosa. Euforia que me trazia rasgos de amnésia sobre a tal fadiga extrema, e a hospitalidade desde o primeiro segundo daqueles já donos da cidade encantou-me. Começava a realizar que estava no Rio de Janeiro, aquela cidade que há tanto ansiava conhecer.

Foi uma sensação estranha e confortável ao mesmo tempo. Tudo me parecia familiar fazendo-me sentir que já aqui estivera antes. Era a realidade mais colada ao imaginário que alguma vez eu tinha presenciado. Era tudo tal e qual como no meu inventado. Ver tudo aquilo ao vivo encheu-me a alma… como pode uma não surpresa surpreender tanto?! Mas naquela envolvente conhecida do meu imaginário não havia o cheiro, o ar, a cor, o ambiente… o despertar de todos os sentidos fez-me vibrar, apaixonar-me. Tudo o que poderia ter ouvido falar desta cidade ficara aquém do que a realidade me mostrava. Não há praia urbana mais bonita… Deambulando pelo calçadão não me cansava de observar o rodeio… não havia sentido que não despertasse e não fosse usado a todo o seu potencial.

Depois de todos os lugares por onde andámos, foi aqui que chegou o medo ou receio de andar na rua… Só aqui me senti ameaçada ou apreensiva com o badalado perigo da cidade do Rio. Mas não foi uma insegurança espontânea. Foi uma apreensão provocada pelos imensos e constantes avisos sobre a metrópole perigosa. “Não exibas nada de valor”. “Esconde a carteira e leva o dinheiro separado em vários sítios”. “Não resistas a qualquer tentativa de assalto”. O sobreaviso despoletou em mim o medo. A ignorância torna-nos bravos deixando-nos enfrentar muita coisa, mas às vezes pode nos deixar demasiado à vontade. Os avisos são bons. Aqui, no Rio, a minha bravura veio com o tempo. Num princípio, quando andando sozinha na rua, no autocarro, à beira mar, na praia, tudo o que se dirigisse a mim era ameaçador, mas com o passar do tempo, com a libertação da preocupação, tomam-se todos como normais transeuntes de uma normal cidade. Volta-se a desfrutar do encanto daquela luz, daquela vida alegre, daquele movimento contagiante, volta-se a querer fazer parte dele, deambulando como carioca puro, parando na lanchonete para um chope, atravessando a rua ocupada de carros para estender a toalha na praia e mergulhar naquele azul imenso que me faz lembrar o desaguar de uma metrópole cansada no seu leito de ócio.

A estada no Rio foi curta. Foram 9 dias que souberam a pouco. A chuva que nos recebeu durante os primeiros 3 dias tomou as culpas, claro. Impediu-nos de viver a cidade como merecia. Mas a hospitalidade que me recebeu no consulado português atenuou com força a indesejável chuva, fazendo daquela tarde uma das melhores da estadia no Rio. A ver o dilúvio cair no largo verde que saía da varanda da casa, abraçadas pela boa conversa, não apetecia que o dia acabasse… Nem a favela Dona Marta, aquela que se vê da residência consular, de onde podem saltar tiros perdidos em dias de mais alvoroço, nos tirava a vontade de ali estar.

Foram poucas as visitas culturais sobre a cidade. Foram alguns os sítios que apesar da vontade, ficaram por visitar… Na Lapa, esse bairro típico do Rio profundo, é onde moram as irmãs da madre Teresa de Calcutá. Acompanhando uma das habituais visitas da consulesa, pude visitar o trabalho destas irmãs na cidade do Rio, constatando mais uma vez a uniformidade mundial desta ordem do sari branco.

Mas o Cristo redentor, premiado com o título de maravilha do mundo pouco antes de lá chegarmos, não pôde deixar de ser visto! Dali se verifica a grandiosidade desta cidade… dali se contempla o cheiro, o ar, a cor, o ambiente, únicos que se vive nas ruas da mais bela cidade do mundo. Dali se percebe porquê o cognome – a cidade Maravilhosa!

Até logo.