Tuesday, December 18, 2007

Na capital argentina


Sentada numa qualquer esplanada na esquina de uma pedonal com uma passadeira agitada de uma rua com trânsito, esperava que Lizze viesse lá de dentro do café. Em frente um quiosque a vender flores e outro ao lado de jornais, revistas e cigarros. Na minha mesa, poisada na quase calçada desenhando entre preto e branco figuras diversas tapadas por pombos que procuram migalhas ou fogem da gente que passa, um saudoso expresso curto e quente bem tirado. O barulho da cidade acordada, num desinquieto e banal dia de uma normal semana ocupada, é acalmado com o Frank Sinatra do saxofone de mais um habitual animador de rua em busca de uns trocos. As pessoas que cruzam aquela esquina, correm na azáfama urbana declarando visivelmente o estilo óbvio de militantes da sociedade moderna e misturam-se com flagrantes turistas de todas as partes que passeiam sem ou com destino numa cidade esplendorosamente cheia de vida, movimento e encanto, que se mostra tão acolhedora...
Por momentos senti que tudo isto acontecia em Lisboa. O cenário era familiar, mais que conhecido. Lizze chegou. Acabámos o nosso café e seguimos em busca do nosso destino pela pedonal... ela procurava um livro, e eu tentava saciar o meu já habitual vicio de postais...

Encontrei na capital argentina uma cidade charmosa, cheia de encantos que nos deslumbram e nos enfeitiçam. Atravessada pela maior e mais importante Avenida 9 de Julho, alusiva ao dia da independência do país no ano de 1816 e com o enorme Obelisco a meio, a cidade mostra o seu plano urbanístico evidente, mas que a mim me faz perder o rumo ao avistar esse altíssimo pilar de mármore tributo aos 400 anos da cidade em 1936, de tantos pontos de vista diferentes. As ruas largas ladeadas de árvores que escondem grandes varandas de pedra de prédios antigos de bom aspecto fazem lembrar um pouco Madrid. Grande e ampla, sem se dar conta, esta cidade deixa-se pisar facilmente. Andar a pé é muito cómodo. Evitando o metro que esconde debaixo de terra os encantos e recantos de uma cidade quase europeia, ou os autocarros que demoram por seguirem o sentido único da maior parte das ruas e avenidas (sentido esse que acabou por ser a minha tábua de salvação para a orientação), deslocávamo-nos com o próprio passo sem queixumes ou dificuldade... degustando a rotina da cidade.

Chegámos numa terça-feira ao aeroporto dos voos domésticos de Buenos Aires. A euforia da chegada não nos calava. Para mim era a primeira vez, mas a Carmo conhecia os encantos da cidade e o seu entusiasmo contagiou-me desde logo. Mal podia esperar para ver o que desde o levantar voo em El Calafate ouvia... Procurámos o poiso ideal seguindo a sugestão do nosso melhor amigo guia, e aproveitámos a vida da grande cidade de Buenos Aires desde logo. Sabíamos que amigos de paragens de outrora coincidiam connosco na cidade. Uns de um lado, outros de outro, vindos de La Paz ou da Navimag, tínhamos animação de sobra. Juntámos hostes e formámos um grupo que viveu a cidade mais dias do que os que preenchiam os nossos planos inicias.
Bons Ares é um nome que veste melhor que qualquer outro esta capital cultural da América do Sul. A sua vida boémia, cultural e artística dá-lhe um encanto único. De bairro em bairro, percorrendo e vivendo o que cada qual mais tem para mostrar, vasculhávamos pelos cantos os seus encantos. Felizes coincidências, ou fortunas do acaso, levaram-nos a lugares menos típicos frequentados pelas gentes locias. Para um salão de baile onde às quartas feiras se pratica e ensina o tango ao som da banda residente subimos curiosos atrás da música que invadia a rua. Num bar no bairro de San Telmo, o boémio e mais antigo da cidade, um concerto instrumental deliciou-nos e prendeu-nos numa noite que prometêramos entre nós ser calma. Indo atrás do diz-que-disse-que-é-bom, fomos assistir a uma performance de batuques que entram pelo fim de tarde a dentro das segundas feiras dos jovens alternativos da cidade de Buenos Aires. Dentro ou fora da rota desenhada pelos guias, os lugares de convívio na cidade são mais que muitos. Seguindo e saindo do suposto, fomos visitando ao sabor da vontade e do entusiasmo.

Além dos imensos bares e cafés inundados de ofertas variadas de shows de tango, ou simples bons ambientes de tertúlias, também de dia os encantos da cidade do design argentino mostram muito de si...

Em La Boca vive-se intensamente os ópios do povo argentino. Tango e Futebol. El Caminito, zona portuária de casas multicoloridas, pintadas com as sobras das tintas que os barcos já não queriam, mostra hoje um jogo de cores estudadas para manter a antiga tradição e encher o olho do turista, não deixando de encantar. Ao almoço come-se o famoso assado, que à boa maneira argentina demora horas pois o fogo não toca na carne que grelha, e vê-se dançar o verdadeiro tango.

Também não pudemos escapar ao nosso pezinho de dança com o profissional. Maravilhou-me assistir àquele tango de rua, que mais do que pura diversão dos que o praticam, que se vê a olho nu nos seus próprios olhos, existe para recolher trocos no chapéu. Mas que assim seja, não deixa de encantar tantos e mais turistas como eu, que deixam cair as moedas para que não pare nunca uma animação tão típica, que traz tantos bons ares!

Ali em La Boca, onde não se dança o Tango, joga-se o futebol. Em dia do último jogo da liga nacional argentina fomos à La Bombonera, onde em casa e já sem possibilidade de ascensão ao titulo o Boca Júnior defrontava com a mesma paixão de quando luta pela taça, Lanus, que tinha naquele jogo todo o seu futuro. Mais um espectáculo do povo argentino. Mesmo sem ter nada a perder os jogadores da equipa de Diego Maradona, que não perde um jogo em La Boca para apoiar o seu clube, jogaram de alma e coração da mesma forma que a sua claque gritava e cantava do fundo dos pulmões o imenso reportório de incentivo à equipa, sem nunca parar ou desanimar. Foi dos jogos de futebol mais emocionantes que vivi! Gritei pelo Boca Júnior como se fosse o nosso Sporting, com aquela devoção sentida, acreditando na vitória até ao fim, na vitória de uma equipa unida que jamais desilude o seu adepto... A emoção do estádio fazia-o vibrar, fazia-me vibrar com eles.

Mais e outros bairros preenchem esta cidade. Cada qual com o seu próprio ícone. Na Recoleta, o bairro chique e turístico da cidade, mora o Robin dos bosques argentino - Evita Peron, odiada e amada na mesma medida, descansa no cemitério mais visitado do mundo, diria eu. Em Palermo na praça principal, ergue-se um mercado de rua e enche os cafés que o rodeiam. A casa rosada, morada do poder executivo argentino, dá para a Praça de Maio, a mais importante praça da cidade. Pelos seus museus, jardins e monumentos alusivos à atribulada história da mais europeia cidade da América do Sul, ocupam-se os dias sem cansar e a descansar. Ao desfrutar do que a cidade tem para oferecer, acabei por não encontrar a conhecida arrogância dos argentinos (a não ser nos condutores de autocarros, que parece que se esforçam para dificultar a vida a qualquer pessoa que se mostra mais perdida). Todas as pessoas se mostraram afáveis. Sempre e em qualquer situação, todo e qualquer transeunte nos ajuda mais do que lhe pedimos. O grande crash do peso argentino, que o fez cair em flexa, depois deste viver a par do Dólar americano, levou o país a um nível mais baixo do que estavam habituados. "Para vocês, europeus, vir a Argentina é fácil e é barato", diz-me um qualquer taxista com o seu misto de conformismo e descontentamento do sistema actual do seu país, mas contente por saber que tantos europeus continuam a vir, e gostam cada vez mais da sua tão rica cidade.

A saída de Buenos Aires estava difícil. A sua agitada vida gerava uma inércia para avançar em planos e programações de outros destinos. Mas a viagem continua, com ela queremos seguir... determinado o dia da partida, tínhamos ainda tempo para ocupar. O nosso autocarro era só ao principio da noite, havia ainda um dia inteiro pela frente. Apanhámos o comboio em direcção a Tigre. Bem fora do centro este bairro vive nas margens de canais do rio de la Plata, aquele que banha Buenos Aires. O centro está arranjadinho, bem parecido, acolhedor. Um mercado mostra os encantos artesanais argentinos, e os canais do rio deixam-nos passear de barco admirando e constatando como deve ser bom viver ali... que diferente que isto é da cidade que acabara de conhecer.

De volta ao centro, evitando as despedidas, que como sempre são a parte mais difícil da saída, seguimos para a mais confusa e ocupada estação de autocarros que vira até hoje, para seguirmos para Puerto Iguaçu. A Lizze vinha connosco... Ficou tão contente com a nossa proposta como nós com a sua aceitação! Iguaçu em 15 horas...

Até logo!

Tuesday, December 4, 2007

Uma visita à Patagónia

Esta enorme região do sul do Chile e da Argentina, que foi povoada pelos índios patagónios, está limitada pelos seu próprio solo. Como diz Bruce Chatwin, que vive e escreve apaixonadamente as suas viagens, quem visita a Patagónia sabe onde ela começa e acaba, basta pisa-la. Os parques naturais, zonas protegidas, paisagens jamais vistas, lugares que só o observar pode imaginar, são imensos. Deixam a vontade de voltar a qualquer viajante que vem seja por quanto tempo for. Há sempre algo mais para ver, uma luz diferente, uma outra perspectiva, um outro amanhecer. Ao ler as linhas que os verdadeiros conhecedores desta enorme reserva natural escrevem imagina-se que nem postais, nem fotografias podem fazer passar quão imponente e deslumbrante se mostra a natureza neste canto do sul mundo.

Chegados a Puerto Natales, o local de partida para o parque natural de Torres del Paine, depois de alojamento tratado, seguimos na programação dos próximos passos. Visitar este parque natural vai além das torres, aquelas três montanhas que sobressaem sem qualquer hipótese de não se ver, da imensa e majestosa paisagem que as rodeia... Os aficionados trekkers’ procuram fazer o W, chamado assim pela sua evidente forma. As torres era o meu objectivo. Desbravar um pouco mais era o objectivo da Carmo. Acordadas vontades, eu segui para o trekking de um dia, a vista às famosas torres del Paine, e a Carmo seguiu à procura do seu W. Encontrámos cada uma a companhia ideal complacente com as nossas vontades e buscámos este parque natural de forma diferente. O tempo não estava o melhor. O frio não se queria ir embora, e as suas amigas nuvens fizeram questão de não o abandonar... Mas ainda assim seguimos para o nosso tour de um dia, em busca daquilo que nos fizera seguir, que tantos postais e panfletos nos mostraram. Foi com as amigas do barco que segui naquele dia para visitar as torres. Caminhámos toda a manhã, subindo, descendo, passando riachos, admirando em volta, hesitando subir os vestígios de avalanches para alcançar as torres pois o esforço corria o risco de não compensar a coberta vista do que procurávamos. Em boa hora decidimos não parar, não desistir. A subida foi árdua, lenta e violenta, mas a vista, mesmo que tapada, ou atrás da bruma valeu mais que o esforço ter “escalado” aquele monte de pedras...

De Puerto Natales seguia-se ainda mais para sul... Seguiamos para o chão do mundo, o fim, a verdadeira cidade austral, a mais perto do pólo que merece por tudo isto uma visita. Eram longas horas de viagem até a Ushuaia.
A imposição de uma troca de autocarro em Punta Arenas, sugeriu-nos parar aqui uma noite e aproveitar a visita a uma das imensas colónias de Pinguins da Patagónia perto desta cidade. A meio da tarde, esperando que despertassem do descanso, fomos ver como acordam estes pinguins do sul.

Saindo de Punta Arenas, continuando para sul, atravessa-se esse famoso estreito que Fernando de Magalhães descobriu na ânsia de provar que era possível atravessar do Atlântico para o Pacífico por mar.
Aí sim, estávamos na Terra do Fogo, esta ilha quase polar, quase toda chilena, onde habita a cidade Argentina mais ao sul do mundo, Ushuaia, o nosso destino. Que estranha a sensação de pensar que se tocou fim... pensar que dali já não há por onde seguir, chegámos ao fim, ao fim do mundo. Pode parecer estranha esta forma de catalogar uma cidade que existe e sobrevive apenas porque tem uma situação geográfica diferente, e por isso cobiçada por muitos, tal como por mim, mas na verdade fez-me sentir pequena, mas ao mesmo tempo satisfeita como quem acaba uma tarefa... Dali estava pronta para subir, para voltar.

Como se terão sentido os descobridores que partiam em busca de algo sem nunca saber se esse algo existia de facto, sem nunca saber onde estaria o fim, se é que o fim existia? Como se sentiriam ao olhar a linha concava do horizonte que faz adivinhar um precipício, um fim de mundo, e mesmo assim seguiam em frente atrás da cenoura curiosidade?

Ao deixar Ushuaia, naquele amanhecer rosado, com o mar nas costas e estrada na proa, via-me a ir em direcção a casa. A cada minuto que passava estava mais perto. Ainda que a uma distancia enorme de casa, mais longe do que de onde vinha já não ia estar mais...

Mas a Patagónia ainda não acabara, nem nunca vai acabar para mim para já. Esperavam-nos os glaciares argentinos em El Calafate. Era para lá que seguia o nosso autocarro, eram no mínimo 20 horas que tinhamos pela frente até esse destino... Cruzar fronteira, atravessar estreito, tentar cruzar de novo fronteira onde a greve dos serviços alfandegários nos fazem esperar 2 horas, trocar de autocarro noutra cidade centro de rotas e chegar finalmente a El Calafate perto da 1e30 da manhã e seguir em busca de um hotel, era o que nos esperava aquele imenso e longo dia. Nesta cidade ficámos 5 dias.

A visita ao glaciar Perito Moreno era o nosso principal objectivo ali. Já com a companhia da Carmo, seguimos na excursão para ver este enorme glaciar. O único do mundo que mantém o tamanho, pela constante criação e retrocesso mais ou menos em simultâneo. Este glaciar alimenta o lago argentino, dando-lhe um azul turquesa único e recheando-o de blocos de gelos flutuantes. Estes blocos são resultantes das quedas de gelo que durante a estação quente, se soltam da enorme parede de 60 metros de altura, deixando turistas como nós especados a olhar para o gelo à espera de poder visualizar o som que já se ouve há horas dentro da rocha gelada... São momentos únicos, inesperados, difíceis de fixar na maquina. O momento certo chega tão inesperadamente que nem os olhos, e muito menos a camara o conseguem apanhar por completo.

Com picos nos pés, luvas nas mãos, óculos escuros na cara, estávamos prontos para andar em cima desta enorme auto-estrada de gelo que rasga as montanhas até à sua fonte. O “trekking” no gelo foi bem emocionante e divertido, acabando da melhor maneira, com um delicioso Alfajoz argentino e um golo de Whisky on the rocks, tiradas do próprio glaciar Perito Moreno! Assim manda a tradição!


El Calafate é uma cidade pequena, tranquila, turística, ponto chave para os parques naturais em redor. Ficar por aqui uns dias soube mais que bem... De bicicleta, com Marieke, espreitei o lago e as suas imensas espécies de aves que o habitam, deixando-me ainda mais encantada com a cidade. Foi uma maneira brilhante de acabar a visita à Patagónia...

Daqui seguimos para Buenos Aires, onde a agitação da cidade grande vai substituir a tranquilidade das pequenas vilas do sul do continente do sul. La movida nos espera!

Até logo!