Monday, March 12, 2007

O povo Indiano

Delhi, dia 12 de Marco de 2007. 11:50 a.m. Chove e faz frio...
Hoje deixo um escrito um pouco diferente...
A minha principal observação tem sido aos hábitos e costumes do povo indiano. A diferença constante prende-me o olhar e obriga-me a reparar.
Conjugando o que leio com o que observo, crio uma opinião. Vale o que vale…


No meu caminho diário, seja para visitar um monumento, seja para visitar uma ONG, seja ainda quando vou no autocarro ou no auto (diminutivo de autorickshaw os tais táxi moto de que falo), ou seja ainda quando estou simplesmente a tomar o pequeno-almoço na varanda da Guest House, estou numa constante observação à forma como as pessoas se comportam. É um exame interessante, super interessante, dou por mim a reparar em tudo, no que vestem, no que comem, como comem, como andam, como se relacionam entre eles, como se relacionam comigo, enfim… Como vive este povo, tão diferente do meu, ou dos meus vizinhos. Na Europa as coisas variam de país para país, mas a variação é mínima. Os hábitos mudam, sim, mas mudam dentro de parâmetros conhecidos, a mudança nunca é radical.

A Índia é um país completamente diferente… Diferente do que o que eu conhecia. Talvez eu conhecesse pouco, ou talvez tudo o que conhecesse fosse perto de mim…

O povo indiano é um povo extremamente simpático. Este é o sumo do conjunto de opiniões que tenho vindo a juntar ao longo da minha curta, mas intensa estada em Delhi. Os indianos, os homens, são em geral simpáticos. Digo homens porque o convívio que tenho tido oportunidade de ter tem sido com homens. Não por eu ser uma devassa… fora esses pensamentos maldosos que possam ter surgido ao ler as linhas anteriores, mas porque a Índia é um país ainda muito tradicional. O casamento é um só e para sempre, esteja-se contente ou não, é uma questão de mentalidade. A mulher fica em casa, trata dos filhos, do marido, da casa. Bom, isto de acordo com a classe social. Nas classes baixas todos trabalham, pois a necessidade impera sobre a tradição, nas classes altas a maior parte trabalha, pois a evolução impera sobre a tradição. Mas nas classes médias, a classe tradicionalista por excelência, o homem trabalha, a mulher fica em casa. Como nos tempos antigos. Na Índia ainda se vive os tempos antigos.



As pessoas com quem já cruzei durante estes dias em Delhi, são unânimes nas opiniões. O casal que conheci na Guest house e com quem jantei 2 noites seguidas, o dono do Internet point onde vou todos os dias, o rapaz que conheci do McDonald´s com quem criei amizade, o casal com quem fiz a tour no zoo, todos me mostraram a realidade indiana, cada um à sua maneira, mas sempre sobre o mesmo registo. É muito fácil perceber as leis sociais deste povo. Seja qual for a religião, língua ou casta, existe uma universalidade de pensamento em relação aos costumes e à forma de viver. Nota-se a união do país. O denominador comum é o conceito família. O casamento, repito, é para a vida, antes de casar sou livre, depois de casar, sou construtor de família, trabalho para ela e por ela. (A opinião que conheço é a masculina pelo tradicionalismo de que já falei…).

A gentileza do Indiano é abundante, aparece em todas as situações do meu dia. Mas há que perceber o preço desta gentileza. Muita é gratuita, o que se nota ao fim de segundos de conversa, ou olhares. Mas os assédios são aos milhões. Querem tirar fotografias comigo, ok, tiremos, segue-se um convite para um café, não, não, estou com pressa… Os convites para cafés são obrigatoriamente recusáveis. Estes são os assédios perigosos. Ou uma abordagem na rua só pelos meus lindos olhos (e leia-se meus lindos olhos como o facto de eu ser estrangeira), também não é de troco possível. Um sorriso na rua, uma ajuda no autocarro, um pedido em casamento, um entornar delicioso da cabeça para o lado para dizer que sim (como o de uma criança que pedincha vá lá só mais um), estes são os “assédios” responsáveis pela minha opinião. O povo indiano é simpático.
Muita da tal simpatia gratuita que se vê na rua advém da submissão do povo indiano ao estrangeiro. Tal como diz Pavan Varma, no seu livro "A índia no século XXI" o sucesso britânico no domínio deste povo deveu-se em grande parte à vassalagem do povo indiano sob o inglês. É visível a todo o momento. Mas paradoxalmente, a tentativa de enganar o forasteiro nunca desaparece. E é mesmo só com quem não é indiano que essa tentativa emerge. Temos de ter os olhos sempre bem abertos, mas a verdade é que a nossa (a minha, neste caso) capacidade negocial tem sofrido um forte desenvolvimento. Tenho de me safar de uma maneira ou de outra!

Mas aqui encontra-se outro paradoxo.
Um indiano não vai enganar outro indiano, claro. Primeiro porque ambos conhecem de ginjeira os truques todos, não caem claro, por outro lado o nacionalismo uno que lhes está intrínseco não os deixa pôr do lado do estrangeiro e contra o seu conterrâneo. Isto no comércio tradicional, quando a luta é contra o não indiano. Mas a lei da sobrevivência selvagem está nos códigos das ruas indianas. O mais forte explora o mais fraco, que por sua vez procura quem mais abaixo pode ser explorado, que, por sua vez se aproveita do seu inferior, etc, etc, etc...

A necessidade de manifestação de poder é outra das características do Indianos.
O Dr. Parminder Deigh, o dono do Internet point, já meu amigo, com quem já bebi uma cerveja (Sand Piper, bem boa…), fez questão de me dizer que era Dr. porque tinha tirado um curso. É letrado. Forma subtil de afirmação de poder sobre o próximo. Este é um hábito normal do indiano para se fazer perceber com quem estamos a lidar, para que possamos segurar que tipo de conversa podemos desenvolver aqui. Ele faz-se notar quando pode puxando as suas brasas, e para apreender quem somos, sorrateiramente pergunta coisas que lhe possam elucidar sobre o nosso estrato social e cultural. Profissão do Pai, quão numerosa é a família, estado civil. Ao fim de trocas de galhardetes, ele porque se autopropõe, eu porque respondo simplesmente às suas preconcebidas perguntas, estamos aptos a conversar, sabendo cada um em que lugar se colocar (pelo menos ele sabe, eu vou aprendendo). Com estas pessoas com quem cruzei, consigo verificar esta lei do conhecimento social que Varma expõe do seu livro. É de facto assim.

Este foi um escrito um pouco diferente, mas tenho vindo a pensar nisto há dias… Como poderia eu descrever o povo indiano? Serei detentora de conhecimento teórico e empírico suficiente para descrição tão exigente? Não creio, mas fica uma pequena amostra do que me apraz dizer sobre este tão curioso, encantador e diferente povo.

É um registo mais pessoal do que divulgador das desventuras que vivo aqui… São as vicissitudes de um diário partilhado…

Obrigada a todos os que leram!

Beijinhos a todos!

Até logo.

12 comments:

lee said...

"O casamento é um só e para sempre, esteja-se contente ou não, é uma questão de mentalidade.", e estando contente...melhor ainda!!!!!
Que bom relato!

:)
Fizeste falta no brunch de ontem mas foste "falada, falada, falada"

bjs azuis

RSF said...

MInha querida Rabela,
achas que eu n tenho lido o teu 360º??? Tás louca?! Perdia lá eu este testemunho! Todos os dias passo por aqui e leio tudo o q há DE novo e tudo o q já tem sido escrito, é uma forma de te ter por perto...
Respondendo às tuas perguntas:
O gonçalo n mudou
A casa está quase pronta!! lá para dia 10 de abril, que xitex!!
O meu trabalho vai muito bem, cada vez melhor.

Fazes-me falta, miúda!! ainda n me habituei à ideia q estás do outro lado do mundo, morro de inveja, daquela saudável q te expliquei e tb de saudades antecipadas por todo o tempo q vais estar longe, pq tb n partiste à tanto tempo assim ( n é verdade)...

vamos falando, e continua a aproveitar assim

um bj grande meu do gonçalo da Pilar e da Mercês ( que está de dieta à séria, achas normal!!! 10 meses...)
R

ps-para amadora o teu blog está de profissional!!!

Mary said...

com estas crónicas da viagem, mal posso esperar pela tese de mestrado!

bjs e bom trabalho :)

Ele said...

ispectacular!

temos lido atentamente o blog.
a mãe farta-se de dizer bem.
já eu só digo é mal :)

beijo

MRA said...

Outra Rita,

10 de Abril traz sempre boas novas...

Anonymous said...

Bemm, com relatos assim vamos tds ficar a conhecer bastante bem (sentadinhos ao computador) aquilo que tu própria estás a conhecer pelo mundo fora!!
MTO OBG!
Mts Bjs c saudades!

Pancrácia said...

Ritinha,

a descrição é claríssima e continua a ecoar-me o sri lanka em todos os aspectos.
Por cá, o gato fedorento empurra o país no domingo à noite para a malta ter paciencinha para se levantar na 2feira e, mesmo eles, já estiveram mais inspirados.
Assim, para viajar agora, enquanto não dá à séria, leio o teu blog e passeio-me pelo martin monnet ao fim-de-semana :). Pelo menos é colorido :)
Se precisares de ajuda nalguma coisa, diz,
beijos grandes,
D.

fisioterapeuta conceição said...

Rita
Fantastico
Tudo por aí é diferente, a cultura os costumes, os comes e bebes tudo......
Mas os homens pelo mundo inteiro rejem-se pelos mesmos valores........è bom estes relatos assim, porque nos sentimos que estamos a viver um bocadinho dessa experiencia.....
Como deves calcular tem sido o tema de conversa da rua das praças,
os preparativos dos casamentos já estam em segundo lugar....
Beijinhos grandes goza , goza

tconstança said...

gosto imenso de ler as suas impressões
onde anda?....
bjs
tconstança

Anonymous said...

Muito bom...

Com entrada directa nos "Favoritos".

escreve mais, muito mais!!!!!

Um beijo grande

constipado said...

Conforme combinado Muitos bjs

Anonymous said...

Rita
Estou no trabalho com a Mãe ....bem não parou enquanto não divulgou o seu blog cada pessoa que entrava no seu "departamento" dizia " Já viu o blog da minha filha?" Claro que as pessoas simpáticas respondiam não mas qual è? Sim porque a sua mãe como tem simpatia para dar e vender ninguém RESISTE.......

Agora a sério VÁ SEMPRE EM FRENTE PORQUE ATRÁS VEM GENTE

Parabéns e blog sempre por aí pois O Mundo precisa sempre de "Ritas"