Friday, October 19, 2007

Peru adentro

O nosso olhar inclina-se para fora da janela do carro tentando apanhar as enormes montanhas andinas de uma só vez. São largas e imponentes, áridas de vários castanhos salpicadas de cactos, invadem o céu e dificultam a entrado do sol. São diferentes, despidas trazem uma beleza invulgar aos meus olhos e mantenho-me a admirar. Por estradas ainda de alcatrão, entrando pelos caminhos possíveis vamos conquistando a cordilheira cada vez mais para dentro. O terramoto do passado dia 15 de Agosto, que veio para ficar pelo menos por uma semana com sucessivas réplicas, conseguiu chegar às mais altas aldeias dos Andes deixando marcas que nos ferem o olhar. É uma emergência, é preciso actuar. Com o epicentro ao largo de Pisco, cidade a 300km a sul de Lima, as ondas subterrâneas provocadas pela junção das placas tectónicas escalaram montanhas aleatoriamente, sem piedade com os cultivos, canais de rega, casas, escolas, sistemas de água potável, e tudo o que finca aquelas comunidades. Nos dias seguintes à catástrofe, a actuação das ONG começa a ganhar forma. Ao redor de Pisco os lugares mais afectados pelo trágico episódio viam-se a pouco e pouco socorridos. Com acessos imediatos, estradas existentes, todos lá chegaram com a brevidade possível e exigida pelos danos. Mas as ondas destruidoras foram mais longe. Foram até onde é tão difícil chegar de carro, e às vezes mesmo a pé. No mais alto planalto andino, no mais escondido vale dentro das grandes montanhas, onde a chuva chega e dá aos áridos montes uma zona verde e fértil, nascem aldeias por ali encontrarem sustento para si e para os seus. Aqui a chegada de auxilio, pela inacessibilidade evidente tardou, mas chegou. Chegou a Oikos, entre outras instituições locais e municipais, deixando os sítios já cobertos para trás, para se dedicar a quem se levantava ainda só.

Fora com esta ONG portuguesa com uma presença no Peru que eu contactara tempos antes da chegada a Lima. Expliquei ao que vinha pedindo um cantinho para visitar o seu trabalho e acrescentar valor à minha pesquisa. Mais uma vez fui recebida de braços abertos. A Carmo acabou por ficar também, houve receptividade para as duas, e juntas pudemos ver e visitar o Peru que a Oikos ajuda.

Chegando a Lima ao mesmo tempo que o início deste projecto de emergência nas zonas menos abraçadas pelas ajudas humanitárias, arrancámos para o terreno com a equipa de trabalho que ia diagnosticar prioridades e começar a trabalhar para reconstruir o destruído. Separados em grupos cobrimos os 10 distritos alvo em 4 dias. Fomos ao Peru profundo, a um Peru que de outra maneira não iríamos, a uma amostra de um Peru genuíno. Quanto mais nos entranhávamos nas bravas montanhas da cordilheira andina, menos condições de vias encontrávamos. Por estradas estreitas escavadas na encosta da montanha transbordando precipícios que impõem respeito, autocarros sobem uma vez por semana, durante quase um dia, criando assim a única comunicação entre estes lugares e a cidade mais próxima. Percorremos escassos quilómetros em largas horas. As estradas são más, ditam a velocidade caracoliana por não as sabermos bem e serpenteiam nos áridos montes deixando-me incrédula quanto à existência de vida por perto. Mas ao virar a esquina, ao rondar mais um monte, abre-se o verde, corre a água, surgem os socalcos de herança inca cheios de culturas, encontra-se a esperada vida. Encontra-se uma aldeia andina, longe de tudo e de todos, lá onde Pedro perdeu o Ponche. No Peru profundo.

“Quanto tempo falta para chegar a Colónia?” perguntávamos à senhora da daquela aldeia que afinal não era Colónia. “Ahh, isso são pelos menos 3 horas, Colónia é longe”. “Mas de carro, nós vamos de carro, não a pé?”, “Sim, 3 horas... Colónia está longe”. Para esta conhecedora da zona, para quem o único e sem alternativa meio transporte é o próprio andar, calcular o tempo de carro não lhe era sequer possível. Colónia estava longe sim... depois de vários rondares de montes, lá num longínquo vale andino, apareceu Colonia.

Zonas menos providas de desenvolvimento mas num Peru já não tão profundo e já não tão inacessível, são também preocupação desta ONG portuguesa. Num departamento diferente de Lima, ergue-se um bosque cheio de histórias de um antigamente que muito ainda tem por descobrir. Desflorando riquezas naturais que fazem surgir comunidades dispersas no espaço, com pouca capacidade de auto-sustento e auto-desenvolvimento, este Bosque de Pomac alberga túmulos feitos pirâmides onde os grandes senhores do passado se supõe terem sido enterrados com tudo o que era seu. Á espera de uma outra vida depois da morte, tudo o que lhes pertencia, como roupas, ouro, e mesmo criados, animais e mulheres, era guardado com esses senhores nas suas campas. Hoje já saqueadas por malfeitores, estas pirâmides exibem um formato sem conteúdo mostrando-se relíquia querida da gente local, que vale a pena visitar. É perto deste bosque que se encontra a cidade de Ferreñafe, poiso dos escritórios para apoio ao projecto de desenvolvimento de uma dessas comunidades que emerge numa clareira do bosque. Aqui passámos 6 dias, 2 dos quais fim de semana. Naquele Sábado, na praça de armas onde só havia “o sol e um Sábado”, como descreve a Carmo em Soldados do Cozido, acabámos a deliciarmo-nos com os Sábados de um pueblo Peruano, vivendo a vida como eles a vivem, sem querer nem precisar de mais. “Há dias assim”... E prometemo-nos visitar o bosque, orgulho local, no dia seguinte.

Para lá chegar apanhámos um mototaxi, mas não sem antes nos inteirarmos do preço para um justo regateio. “Dois soles, nada mais” disse-nos quem nós achámos ser entendido. O negócio foi fechado sem grande dificuldade e pusemo-nos à estrada. Dois metros andados já o condutor parava para perguntar o caminho. Aceitou tão bem o preço e nem sabe para onde ir? Talvez seja apenas uma confirmação... Mas as perguntas pela direcção certa continuavam. Os quilómetros passavam, o tempo andava e o bosque não chegava... Com as indicações de sempre em frente lá íamos seguindo sem grande certeza de para onde, até que a moto começou a falhar. Estamos sem gasolina. Sem grande alternativa perdidos em lugar nenhum, começámos os 3 a empurrar a moto. Numa estrada sem fim ladeada de deserto onde não se via vivalma, sem ter qualquer ideia sobre a próxima bomba de gasolina e da direcção do bosque. Empurrávamos a moto sem destino... Das evidentes trocas de perguntas de onde são e o que fazem por cá, percebemos que o próprio taxista era novo na zona, chegara há 3 semanas e tanto ou menos sabia daqueles caminhos como nós. Finalmente cruza um carro, era Carlos, engenheiro responsável das obras do projecto e nosso anfitrião. Admirado com a cena que presenciava, salvou-nos daquela incerteza trazendo gasolina ao senhor da mototaxi e levando-nos ao bosque depois de um fantástico almoço em sua casa. Nem o informador do preço justo, nem o condutor do mototaxi estavam cientes que ir até ao bosque, daquela forma ninguém vai...

Ensina-nos Eric, o pequeno habitante do bosque que aproveita a visita dos turistas para entrar no carro e guiar-nos na sua terra, que o senhor de Sipam, o grande chefe desta antiga cultura, foi encontrado aqui, entre estas árvores no sopé de uma das pirâmides. Feitas de pedra de areia, propicias a um desgaste rápido, estas pirâmides devem ser vistas apenas da base. Mas com Eric subimos mais um pouco. Tentado poupar a areia, escalando airosamente o monte em escada observámos a vista do topo do túmulos. De história em história sobre os segredos de Sipam o pequeno Eric encheu-nos de ternura com aquela desenvoltura de quem conhece o terreno como a palma da mão, mesmo não conhecendo. Sabendo menos que Carlos, Eric foi um guia extremoso e profissional, dava a volta a qualquer pergunta quando a resposta não lhe era óbvia e sem se descoser ou usar o “não sei” dava-nos a informação que nos calava até à próxima pergunta. “Por aí não se pode mesmo ir, mas vão vocês. A mim se me vêem não me deixam fazer mais de guia”, dizia Eric com aquela desembaraço a que nos habituara desde do inicio do tour. Mas o guarda de serviço fez-nos uma vista guiada até onde pudemos ver as obras de restauração desta relíquia do Bosque de Pomac. Obrigada Eric.

Até logo!

3 comments:

lee said...
This comment has been removed by the author.
constipado said...

Bom turista de cadeira é o que sou por vossa causa. Obrigado.
Bjsss

Anonymous said...

Adorei essa historia da mota....beij
mariana