Chegando a Lima ao mesmo tempo que o início deste projecto de emergência nas zonas menos abraçadas pelas ajudas humanitárias, arrancámos para o terreno com a equipa de trabalho que ia diagnosticar prioridades e começar a trabalhar para reconstruir o destruído. Separados em grupos cobrimos os 10 distritos alvo em 4 dias. Fomos ao Peru profundo, a um Peru que de outra maneira não iríamos, a uma amostra de um Peru genuíno. Quanto mais nos entranhávamos nas bravas montanhas da cordilheira andina, menos condições de vias encontrávamos. Por estradas estreitas escavadas na encosta da montanha transbordando precipícios que impõem respeito, autocarros sobem uma vez por semana, durante quase um dia, criando assim a única comunicação entre estes lugares e a cidade mais próxima. Percorremos escassos quilómetros em largas horas. As estradas são más, ditam a velocidade caracoliana por não as sabermos bem e serpenteiam nos áridos montes deixando-me incrédula quanto à existência de vida por perto. Mas ao virar a esquina, ao rondar mais um monte, abre-se o verde, corre a água, surgem os socalcos de herança inca cheios de culturas, encontra-se a esperada vida. Encontra-se uma aldeia andina, longe de tudo e de todos, lá onde Pedro perdeu o Ponche. No Peru profundo.
“Quanto tempo falta para chegar a Colónia?” perguntávamos à senhora da daquela aldeia que afinal não era Colónia. “Ahh, isso são pelos menos 3 horas, Colónia é longe”. “Mas de carro, nós vamos de carro, não a pé?”, “Sim, 3 horas... Colónia está longe”. Para esta conhecedora da zona, para quem o único e sem alternativa meio transporte é o próprio andar, calcular o tempo de carro não lhe era sequer possível. Colónia estava longe sim... depois de vários rondares de montes, lá num longínquo vale andino, apareceu Colonia.
Zonas menos providas de desenvolvimento mas num Peru já não tão profundo e já não tão inacessível, são também preocupação desta ONG portuguesa. Num departamento diferente de Lima, ergue-se um bosque cheio de histórias de um antigamente que muito ainda tem por descobrir. Desflorando riquezas naturais que fazem surgir comunidades dispersas no espaço, com pouca capacidade de auto-sustento e auto-desenvolvimento, este Bosque de Pomac alberga túmulos feitos pirâmides onde os grandes senhores do passado se supõe terem sido enterrados com tudo o que era seu. Á espera de uma outra vida depois da morte, tudo o que lhes pertencia, como roupas, ouro, e mesmo criados, animais e mulheres, era guardado com esses senhores nas suas campas. Hoje já saqueadas por malfeitores, estas pirâmides exibem um formato sem conteúdo mostrando-se relíquia querida da gente local, que vale a pena visitar. É perto deste bosque que se encontra a cidade de Ferreñafe, poiso dos escritórios para apoio ao projecto de desenvolvimento de uma dessas comunidades que emerge numa clareira do bosque. Aqui passámos 6 dias, 2 dos quais fim de semana. Naquele Sábado, na praça de armas onde só havia “o sol e um Sábado”, como descreve a Carmo em Soldados do Cozido, acabámos a deliciarmo-nos com os Sábados de um pueblo Peruano, vivendo a vida como eles a vivem, sem querer nem precisar de mais. “Há dias assim”... E prometemo-nos visitar o bosque, orgulho local, no dia seguinte.
Para lá chegar apanhámos um mototaxi, mas não sem antes nos inteirarmos do preço para um justo regateio. “Dois soles, nada mais” disse-nos quem nós achámos ser entendido. O negócio foi fechado sem grande dificuldade e pusemo-nos à estrada. Dois metros andados já o condutor parava para perguntar o caminho. Aceitou tão bem o preço e nem sabe para onde ir? Talvez seja apenas uma confirmação... Mas as perguntas pela direcção certa continuavam. Os quilómetros passavam, o tempo andava e o bosque não chegava... Com as indicações de sempre em frente lá íamos seguindo sem grande certeza de para onde, até que a moto começou a falhar. Estamos sem gasolina. Sem grande alternativa perdidos em lugar nenhum, começámos os 3 a empurrar a moto. Numa estrada sem fim ladeada de deserto onde não se via vivalma, sem ter qualquer ideia sobre a próxima bomba de gasolina e da direcção do bosque. Empurrávamos a moto sem destino... Das evidentes trocas de perguntas de onde são e o que fazem por cá, percebemos que o próprio taxista era novo na zona, chegara há 3 semanas e tanto ou menos sabia daqueles caminhos como nós. Finalmente cruza um carro, era Carlos, engenheiro responsável das obras do projecto e nosso anfitrião. Admirado com a cena que presenciava, salvou-nos daquela incerteza trazendo gasolina ao senhor da mototaxi e levando-nos ao bosque depois de um fantástico almoço em sua casa. Nem o informador do preço justo, nem o condutor do mototaxi estavam cientes que ir até ao bosque, daquela forma ninguém vai...
Ensina-nos Eric, o pequeno habitante do bosque que aproveita a visita dos turistas para entrar no carro e guiar-nos na sua terra, que o senhor de Sipam, o grande chefe desta antiga cultura, foi encontrado aqui, entre estas árvores no sopé de uma das pirâmides. Feitas de pedra de areia, propicias a um desgaste rápido, estas pirâmides devem ser vistas apenas da base. Mas com Eric subimos mais um pouco. Tentado poupar a areia, escalando airosamente o monte em escada observámos a vista do topo do túmulos. De história em história sobre os segredos de Sipam o pequeno Eric encheu-nos de ternura com aquela desenvoltura de quem conhece o terreno como a palma da mão, mesmo não conhecendo. Sabendo menos que Carlos, Eric foi um guia extremoso e profissional, dava a volta a qualquer pergunta quando a resposta não lhe era óbvia e sem se descoser ou usar o “não sei” dava-nos a informação que nos calava até à próxima pergunta. “Por aí não se pode mesmo ir, mas vão vocês. A mim se me vêem não me deixam fazer mais de guia”, dizia Eric com aquela desembaraço a que nos habituara desde do inicio do tour. Mas o guarda de serviço fez-nos uma vista guiada até onde pudemos ver as obras de restauração desta relíquia do Bosque de Pomac. Obrigada Eric.
3 comments:
Bom turista de cadeira é o que sou por vossa causa. Obrigado.
Bjsss
Adorei essa historia da mota....beij
mariana
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