Monday, August 27, 2007

Finalmente em Timor

Era talvez este um dos destinos que eu mais ansiava... A vontade de chegar a Timor deixou de lado a eventual preguiça de sair de casa para voltar à jornada. Vinha cheia de esperança, de entusiasmo, de curiosidade, vinha para Timor, um país que finalmente é seu, tão longe, mas tão perto de nós...
A expectativa estava assente num trabalho que iria desenvolver no mundo das organizações não-governamentais. Surgira a oportunidade de fazer um estágio numa ONG local, impulsionada mais uma vez pela preciosa ajuda do meu Amigo Miguel. A organização chama-se Belun, termo que em Tétum, a outra língua oficial deste país além do Português, significa Amigo.

Os primeiros dias foram de habituação, de conhecimento dos códigos de conduta de uma sociedade tão diferente das que eu conhecia até então, de adaptação à vida desta agitada e controversa capital de um dos países mais jovens do mundo, em que o rescaldo da violência dos tempos da ocupação indonésia, se vive no dia a dia e onde a geração de 75, que nasceu em ambiente de luta, apenas conhece essa forma de viver. Na lusa, o primeiro sítio que nos recebeu majestosamente pelas mão do Pedro, o jornalista, as notícias chegavam frescas, vivia-se em cima dos acontecimentos, o que para o meu pouco conhecimento sobre a situação actual de Timor, eram grandes cavalos de batalha que se erguiam a cada mensagem de alerta no telemóvel. Ao longo dos dias fui tirando cabeças ao dragão, inteirando-me de uma paz diferente que se vive neste país...

Mas o período de mudança de governo, onde o contentamento de uns é o descontentamento de outros, cria distúrbios e manifestações de derrotas não aceites, com ou sem razão. Os alertas aumentaram e o recolher obrigatório durou vários dias. Vivia-se um dia a seguir ao outro sem nunca poder fazer planos sobre nada, estando sempre submisso ao que diziam as autoridades de segurança. O incêndio da alfandega, aniquilando por completo todos os registos oficiais desta jovem nação fora uma das manifestações dos descontentes, assim como casas incendiadas de pessoas que nada tinham, ou simples bloqueios de rua com pneus queimados para mostrar revolta. Aprendi a lidar com este dia a dia de tensão, de movimentos cortados, de vassalagem ao que os grupos dos mais rebeldes iriam fazer em cada dia. Aprendi a dar um especial valor à liberdade e à paz, e a perceber como é difícil e diferente viver num país nesta situação.

Um dia de manhã estava em casa pacientemente esperando que chegasse a minha boleia para o escritório, quando ao espreitar pelo buraco do portão vejo um grupo de timorenses dentro do campo de refugiados em frente a casa numa euforia estranha de como quem festeja uma vitória antecipada, com uma ira assustadora, cantando algo alusivo à liberdade de Timor, ou qualquer coisa parecida que apanhei do Tétum que expressavam. No meio das danças voaram umas pedras tentado atingir os carros que passavam. Não me senti muito confortável para sair de casa naquela manhã. Mas as pedras foram escassas, e passado pouco tempo parou a revoltante euforia e a minha boleia chegou, sem grande problema saí. Mas o medo e o susto duraram a passar, tinha chegado a Dili há uma semana e quando já achava que estava inteirada da vida nesta cidade, rebenta a semana mais agitada. Nesses dias vivi situações de tensão e stress como não vivera antes. Os filmes que imaginei foram muitos, para a minha ingenuidade esta era uma situação violenta. Essa semana foi a mais controversa. Todos os dias ficávamos em casa obrigados a recolher antes da noite e impedidos de sair de antes do dia. Difícil esta aceitação de condicionamento de movimento. Estranha e longe da minha realidade. O que sempre me confortava era a presença da Joana, quem nos recebeu quando chegámos a Timor. Já integrada na cidade, e tendo-me recebido em sua casa nesta semana mais desinquieta, ensinou-me a interpretar esta sociedade apenas com a sua maneira simples e genuína de encarar as coisas. Acabaram por ser umas noites agradáveis na companhia da Joana e da Maria, a ouvir histórias de Dili e de outros locais.

É difícil fazer uma descrição isenta do que quer que se viva, sem se desviar na direcção das sensações criadas a cada momento vivido. A minha primeira impressão e adaptação à cidade demorou, criei-a com a maior atenção possível ao ambiente, às pessoas, aos amigos. Hoje vou e venho do trabalho de bicicleta, já mais à vontade, contornando a baía do mar de Timor que banha Dili, esta cidade pouco vestida mas com um encanto especial oferecido pela paisagem em seu redor. Mais impressões e sensações terei no fim da minha estada em Dili.


Até logo.

4 comments:

constipado said...

Bela reportagem. Experiências a somar de que não me tinha apercebido nas nossas conversas extra blog.
bjs do 1º

Anonymous said...

Mais uma vez... Viajei!
Mts Bjs e Tem Cuidado!
:)
Madalena

Anonymous said...

Não gosto muito de fazer comentários porque me parece sempre demasiado telegráfico.
Mas queria dizer-te que venho cá muitas vezes. Aqui no meu "computer" estás muito perto, ali em cima nos "Favorites". Assim não parece que estás tão longe de nós, no globo, e na realidade que vives.
Tenho aprendido muito. E adoro as fotografias. Um beijinho da galinha,
Inês (Quadros) Fonseca

Mary said...

Querida Rita,
é difícil ser original e isenta nos comentários quando lemos estas grandes reportagens que vão muito além de simples crónicas, pela riqueza das descrições e pela genuinidade dos sentimentos.No que me toca, estes momentos de reencontro virtual, fazem-me muito bem! Um grande bem haja e muitos beijinhos...(que o teu anjo da guarda te proteja e te guie!)
Ga-Mary