Tuesday, October 30, 2007

Entretanto em Lima

A receptividade da Oikos em Lima foi superior. A preocupação em evitar que pudesse cair sobre nós qualquer tipo de aborrecimento, foi uma constante de José. Recebeu-nos como ninguém, no seu trabalho, em sua casa. Entre as visitas aos projectos da Oikos fora de Lima, era nesta cidade que ficávamos, ajustando e assimilando a visita anterior, ansiando a próxima e vivendo Lima.
Sem perder tempo e de sorriso orgulhoso e ansioso por nos mostrar o seu quotidiano (diurno, mas principalmente nocturno) Eva, a filha de José, não nos deixou um minuto sequer... mostrou-nos a vida social de Lima, outros lugares obrigatórios de visita, um pouco do centro histórico na parte antiga da cidade, e uma imensa e sempre presente atenção ao nosso bem estar. Património cultural do Peru, o Pisco foi o a primeira coisa apresentada por Eva. Feito de uma uva especial, plantada em determinadas zonas, o Pisco bebe-se sour. Um cocktail à base desta aguardente única com, além de outras coisas, ovo, bebe-se por todo o Peru não podendo não provar várias vezes... Assim o fizémos. Estávamos no Peru.


A Cidade dos Reis, como lhe chamou Francisco Pizarro, conquistador do Peru ao serviço da coroa espanhola, é uma cidade grande. Mantém as heranças dos tempos coloniais no centro, erguendo na Praça de Armas os habituais edifícios de Governo e a Catedral, modelo que é tomado por qualquer centro urbano no Peru e da América do Sul espanhola, ou antigo Novo Mundo. Desenvolve-se ao seu redor repartindo-se em distritos. O nosso era La Molina, uma área residencial, simpática, calma, e muito segura. Dominando a nossa zona, já nos deslocávamos relativamente bem. O trânsito, alguma confusão, mercados de rua sem arrumação, anarquias instaladas em alguns lugares, levaram-me à Índia... Aquele autocarro que passa com o pica empoleirado na porta aberta gritando o destino da sua micro em muito pouco difere do sistema de transportes públicos indianos. Todos propagandeiam o seu percurso como sendo o melhor, mostrando no entanto por dentro do pequeno autocarro passageiros além da lotação permitida, como sardinhas em lata...

Em montes marginais na periferia da cidade, terras de ninguém são invadidas por comunidades preenchendo a encosta de casas feitas de tijolo sem reboco. Aqui também chegou a Oikos, para ajudar a munir a zona de infra-estruturas básicas ao desenvolvimento dessas novas comunidades. Muros de suporte que evitem desmoronamentos da encosta, sistemas de esgotos, e acessos de escadas foram construídos. Com a mão de obra local, que se divide pelos dias da semana e a ajuda da Oikos, mais um bairro da cidade de Lima, bem diferente dos que conhecíamos até então, se desenvolve de forma sustentada, fazendo crescer a enorme cidade.

Mais do que o prazer de uma paragem maior para evoluir na pesquisa e da possibilidade de ver o menos acessível Peru andino, a Oikos e a sua família deram-nos o conforto de um lar e a oportunidade de viver num dia-a-dia local, que tanto se aproxima do nosso vivendo os mesmos hábitos, preocupações, entusiasmos e ambições... Já nos sentíamos em casa, e a casa já nos sentia como tal. Ao entrar a casa recebia-nos Bonga, abanando o rabo manisfestando óbvia saudade e reclamando tanta ausência...

Até logo!

Friday, October 19, 2007

Peru adentro

O nosso olhar inclina-se para fora da janela do carro tentando apanhar as enormes montanhas andinas de uma só vez. São largas e imponentes, áridas de vários castanhos salpicadas de cactos, invadem o céu e dificultam a entrado do sol. São diferentes, despidas trazem uma beleza invulgar aos meus olhos e mantenho-me a admirar. Por estradas ainda de alcatrão, entrando pelos caminhos possíveis vamos conquistando a cordilheira cada vez mais para dentro. O terramoto do passado dia 15 de Agosto, que veio para ficar pelo menos por uma semana com sucessivas réplicas, conseguiu chegar às mais altas aldeias dos Andes deixando marcas que nos ferem o olhar. É uma emergência, é preciso actuar. Com o epicentro ao largo de Pisco, cidade a 300km a sul de Lima, as ondas subterrâneas provocadas pela junção das placas tectónicas escalaram montanhas aleatoriamente, sem piedade com os cultivos, canais de rega, casas, escolas, sistemas de água potável, e tudo o que finca aquelas comunidades. Nos dias seguintes à catástrofe, a actuação das ONG começa a ganhar forma. Ao redor de Pisco os lugares mais afectados pelo trágico episódio viam-se a pouco e pouco socorridos. Com acessos imediatos, estradas existentes, todos lá chegaram com a brevidade possível e exigida pelos danos. Mas as ondas destruidoras foram mais longe. Foram até onde é tão difícil chegar de carro, e às vezes mesmo a pé. No mais alto planalto andino, no mais escondido vale dentro das grandes montanhas, onde a chuva chega e dá aos áridos montes uma zona verde e fértil, nascem aldeias por ali encontrarem sustento para si e para os seus. Aqui a chegada de auxilio, pela inacessibilidade evidente tardou, mas chegou. Chegou a Oikos, entre outras instituições locais e municipais, deixando os sítios já cobertos para trás, para se dedicar a quem se levantava ainda só.

Fora com esta ONG portuguesa com uma presença no Peru que eu contactara tempos antes da chegada a Lima. Expliquei ao que vinha pedindo um cantinho para visitar o seu trabalho e acrescentar valor à minha pesquisa. Mais uma vez fui recebida de braços abertos. A Carmo acabou por ficar também, houve receptividade para as duas, e juntas pudemos ver e visitar o Peru que a Oikos ajuda.

Chegando a Lima ao mesmo tempo que o início deste projecto de emergência nas zonas menos abraçadas pelas ajudas humanitárias, arrancámos para o terreno com a equipa de trabalho que ia diagnosticar prioridades e começar a trabalhar para reconstruir o destruído. Separados em grupos cobrimos os 10 distritos alvo em 4 dias. Fomos ao Peru profundo, a um Peru que de outra maneira não iríamos, a uma amostra de um Peru genuíno. Quanto mais nos entranhávamos nas bravas montanhas da cordilheira andina, menos condições de vias encontrávamos. Por estradas estreitas escavadas na encosta da montanha transbordando precipícios que impõem respeito, autocarros sobem uma vez por semana, durante quase um dia, criando assim a única comunicação entre estes lugares e a cidade mais próxima. Percorremos escassos quilómetros em largas horas. As estradas são más, ditam a velocidade caracoliana por não as sabermos bem e serpenteiam nos áridos montes deixando-me incrédula quanto à existência de vida por perto. Mas ao virar a esquina, ao rondar mais um monte, abre-se o verde, corre a água, surgem os socalcos de herança inca cheios de culturas, encontra-se a esperada vida. Encontra-se uma aldeia andina, longe de tudo e de todos, lá onde Pedro perdeu o Ponche. No Peru profundo.

“Quanto tempo falta para chegar a Colónia?” perguntávamos à senhora da daquela aldeia que afinal não era Colónia. “Ahh, isso são pelos menos 3 horas, Colónia é longe”. “Mas de carro, nós vamos de carro, não a pé?”, “Sim, 3 horas... Colónia está longe”. Para esta conhecedora da zona, para quem o único e sem alternativa meio transporte é o próprio andar, calcular o tempo de carro não lhe era sequer possível. Colónia estava longe sim... depois de vários rondares de montes, lá num longínquo vale andino, apareceu Colonia.

Zonas menos providas de desenvolvimento mas num Peru já não tão profundo e já não tão inacessível, são também preocupação desta ONG portuguesa. Num departamento diferente de Lima, ergue-se um bosque cheio de histórias de um antigamente que muito ainda tem por descobrir. Desflorando riquezas naturais que fazem surgir comunidades dispersas no espaço, com pouca capacidade de auto-sustento e auto-desenvolvimento, este Bosque de Pomac alberga túmulos feitos pirâmides onde os grandes senhores do passado se supõe terem sido enterrados com tudo o que era seu. Á espera de uma outra vida depois da morte, tudo o que lhes pertencia, como roupas, ouro, e mesmo criados, animais e mulheres, era guardado com esses senhores nas suas campas. Hoje já saqueadas por malfeitores, estas pirâmides exibem um formato sem conteúdo mostrando-se relíquia querida da gente local, que vale a pena visitar. É perto deste bosque que se encontra a cidade de Ferreñafe, poiso dos escritórios para apoio ao projecto de desenvolvimento de uma dessas comunidades que emerge numa clareira do bosque. Aqui passámos 6 dias, 2 dos quais fim de semana. Naquele Sábado, na praça de armas onde só havia “o sol e um Sábado”, como descreve a Carmo em Soldados do Cozido, acabámos a deliciarmo-nos com os Sábados de um pueblo Peruano, vivendo a vida como eles a vivem, sem querer nem precisar de mais. “Há dias assim”... E prometemo-nos visitar o bosque, orgulho local, no dia seguinte.

Para lá chegar apanhámos um mototaxi, mas não sem antes nos inteirarmos do preço para um justo regateio. “Dois soles, nada mais” disse-nos quem nós achámos ser entendido. O negócio foi fechado sem grande dificuldade e pusemo-nos à estrada. Dois metros andados já o condutor parava para perguntar o caminho. Aceitou tão bem o preço e nem sabe para onde ir? Talvez seja apenas uma confirmação... Mas as perguntas pela direcção certa continuavam. Os quilómetros passavam, o tempo andava e o bosque não chegava... Com as indicações de sempre em frente lá íamos seguindo sem grande certeza de para onde, até que a moto começou a falhar. Estamos sem gasolina. Sem grande alternativa perdidos em lugar nenhum, começámos os 3 a empurrar a moto. Numa estrada sem fim ladeada de deserto onde não se via vivalma, sem ter qualquer ideia sobre a próxima bomba de gasolina e da direcção do bosque. Empurrávamos a moto sem destino... Das evidentes trocas de perguntas de onde são e o que fazem por cá, percebemos que o próprio taxista era novo na zona, chegara há 3 semanas e tanto ou menos sabia daqueles caminhos como nós. Finalmente cruza um carro, era Carlos, engenheiro responsável das obras do projecto e nosso anfitrião. Admirado com a cena que presenciava, salvou-nos daquela incerteza trazendo gasolina ao senhor da mototaxi e levando-nos ao bosque depois de um fantástico almoço em sua casa. Nem o informador do preço justo, nem o condutor do mototaxi estavam cientes que ir até ao bosque, daquela forma ninguém vai...

Ensina-nos Eric, o pequeno habitante do bosque que aproveita a visita dos turistas para entrar no carro e guiar-nos na sua terra, que o senhor de Sipam, o grande chefe desta antiga cultura, foi encontrado aqui, entre estas árvores no sopé de uma das pirâmides. Feitas de pedra de areia, propicias a um desgaste rápido, estas pirâmides devem ser vistas apenas da base. Mas com Eric subimos mais um pouco. Tentado poupar a areia, escalando airosamente o monte em escada observámos a vista do topo do túmulos. De história em história sobre os segredos de Sipam o pequeno Eric encheu-nos de ternura com aquela desenvoltura de quem conhece o terreno como a palma da mão, mesmo não conhecendo. Sabendo menos que Carlos, Eric foi um guia extremoso e profissional, dava a volta a qualquer pergunta quando a resposta não lhe era óbvia e sem se descoser ou usar o “não sei” dava-nos a informação que nos calava até à próxima pergunta. “Por aí não se pode mesmo ir, mas vão vocês. A mim se me vêem não me deixam fazer mais de guia”, dizia Eric com aquela desembaraço a que nos habituara desde do inicio do tour. Mas o guarda de serviço fez-nos uma vista guiada até onde pudemos ver as obras de restauração desta relíquia do Bosque de Pomac. Obrigada Eric.

Até logo!

Monday, October 8, 2007

Rapa Nui

No meio do Oceano Pacífico, um dos vértices polinésio intitula-se o Umbigo do Mundo. O seu isolamento pela longa distância de qualquer outro ponto terrestre e pelo acidentado acesso do contorno geográfico legitimam esta auto análise. Esta ilha, o ponto habitado mais isolado do globo, era desde há muito um destino de viagem que eu ambicionava bastante, daqueles que de tão inalcançáveis que pensamos serem pairam eternos nos sonhos perdendo a sua qualidade de real.

Quando aterrámos na Ilha da Páscoa, depois de 5 horas de voo desde o sítio mais perto, recordei os meus sonhos antigos. Fui buscar as minhas imaginárias imagens para as comparar com as que presenciava agora, as reais, que afinal existiam. Não consegui. Continuei a vaguear no sonho, no meu próprio embalo, desejando não acordar...

Desde o início da viagem, em Fevereiro passado, passámos por muitos sítios diferentes, cada um com a sua própria identidade separando-se uns dos outros como azeite na água. Visitámos monumentos que espalham diferentes formas de viver, praças que reúnem diferentes culturas, cafés que ensaiam costumes raros, e a cada mudança uma nova sensação, uma nova análise, um novo beber. A cada mudança faço o exercício de esvaziar o copo cheio de pessoas que conheci, amizades que criei, povos que descobri e que me encantaram e culturas que me conquistaram, para poder encher de novo com mais amigos, mais povos, mais culturas. Aproveito a viagem de saída para guardar o conteúdo do copo no frasco das recordações. Sei que a qualquer hora qualquer pormenor, em vez de passar despercebido faz saltar a tampa de um ou mais destes preciosos frascos que tenho vindo a acumular na minha bagagem emocional. No avião de Santiago para Hanga Roa, a cidade da Ilha da Páscoa, voltei ao exercício do costume, estreei mais um frasco. A partilha com a Carmo, de experiências e vivências dos mesmos lugares, das mesmas gentes, das mesmas paisagens, vividos em alturas diferentes e de formas diferentes com companhias diferentes, trouxe-nos uma troca que transbordou o frasco das recordações neozelandesas e reabriu outros frascos antigos com memórias novas. Constato mais uma vez que a partilha é a melhor maneira de arrumar emoções, de encher mais frascos.

Finalmente as nossas malas aparecem no tapete rolante para podermos partir em busca de sítio para ficar. Facílimo. Escolhemos um dos hóstias que todas as terças às 11e30 montam a sua banca publicitária para angariar o número máximo de turistas que acaba de chegar. Ficámos no melhor, pela nossa análise. A dona Teresa, mãe, avó, dinâmica, conhecida por todos, serve os melhores pequenos almoços da ilha, assim definimos nós pela surpresa diária que nos preparava a simpática senhora.

Nos meus sonhos, esta ilha era deserta, ou talvez habitassem índios de riscas na cara e colares de flores dançando aos seus heróis de pedra agradecendo por existirem. Mas as enormes estátuas de pedra, os moais, construídas há centenas de anos, representando os chefes das várias tribos que disputavam o território e que des-pululavam e pululavam a ilha sucessivamente pelo domínio da terra, afinal eram reais. Tão reais como imponentes. Os seus rostos todos iguais mas cada um com o seu feitio, olhavam-nos numa simpatia cativante que mesmo calados como uma pedra faziam companhia de gente. Tal como andavam e falavam nos meus sonhos. Na realidae até os podia ouvir...

Viemos para ficar 5 dias, era o calendário possível da linha aérea chilena. Para percorrer as estradas pouco cimentadas e escassas da ilha e para visitar muito mais que os moais que celebrizaram a Ilha da Páscoa em todo o mundo e nos meus sonhos, alugámos por dois dias uma moto4. Fomos a todos os pontos possíveis de ir por estrada. E ainda fizemos um trekking...

Visitámos os 3 vulcões que originaram a formação de uma ilha só. O primeiro foi o Rana Kau, perto de Orongo, a zona dos homens-passáro, os grandes ídolos dos nativos por terem a liberdade de abrir asas e voar ao mundo coisa impossível para o humano. Aos nativos mais corajosos subia-lhes a vontade de desafiar a natureza e atiravam-se do alto do vulcão ao mar para tentar de alguma forma chegar ao Mundo.

Desta impressionante cratera inimaginável nas minhas imaginárias imagens, partimos em busca de mais pontos de visita. Encontrámos lugar de almoço na companhia dos sete moais, os únicos que olham o mar na esperança de ver o seu povo de outras terras protegido, pois todos os outros olham para terra para protegerem o seu próprio povo. Foi daqui que partimos para o nosso trekking. Este segundo vulcão, o cume mais alto de todos, mostra-nos uma vista de mar a 360 graus, a verdadeira sensação de estar numa ilha. Rodo em torno de mim mesma e o que vejo sempre é mar. Subimos, subimos, subimos até alcançar a vista mais impressionante que vivi, muito além do alcance da máquina e mesmo dos meus olhos. A vontade de voar, de deixar que o vento me leve, trouxe-me de novo ao sonho.

Também o monte Rano Rarakuno foi alvo das nossas máquinas, dos nossos olhares, de mais uma constatação da minha ainda incrédula possibilidade de estar onde estava. Deste terceiro vulcão sai a matéria-prima dos moais, o único lugar da ilha com este tipo de pedra. Chamam-lhe a “fábrica dos moais”. Foi o que nos disseram os miúdos que viviam em frente da dona Teresa, que tanto nos ensinaram da sua terra, do povo Rapa Nui, em alguns passeios pela cidade que desfrutámos com eles. Daqui avistam-se os 15 moais, local escolhido para contemplar o crepúsculo, mas nesse dia o sol não quis nascer, ficando inibido pelas nuvens carregadas de chuva. O casal americano com quem fomos naquela madrugada, viaja pelo mundo de barco à vela. Deixaram a sua “casa” no México, voaram até ao lugar impossível de se chegar à vela e ficaram instalados na porta ao lado da nossa em casa da dona Teresa. Das suas imensas viagens ao longo de toda a vida, por terra e mar coleccionavam um sem número de frascos cheios de conteúdos para relembrar e partilhar.

Visitámos a praia de Anakena, onde também moais virados para terra para olhar pelo seu povo embelezam os olhos do turista, alinhados e arrumados embutidos na paisagem tropical de água turquesa, areia branca e palmeiras em redor. Apesar do tão cobiçado clima das outras ilhas polinésias não visitar tanto assim a ilha da Páscoa, as fortes rajadas de sol que ultrapassam as nuvens levam pessoas a banhos fora de época. Nós por nós aproveitámos esse sol com uma sestazita na relva do lado que nos trouxe um cheirinho a verão.


De todas as perspectivas e cenários que olho os moais, deambulo em pensamentos entre o sonho e a realidade, percebendo que não vale a pena distingui-los porque se completam. O que um dia imaginei agora cubro com mais e mais imagens que enriquecem e realizam o sonho de outrora.

Mais ainda além do que eu imaginava, a cidade que alberga os quase 4 mil habitantes desta ilha, encantou-me. Uma cidade pacata, com vida além do turismo, arranjada e arrumada, que dava gosto andar. O perfume constante no ar deixa-me andar suspensa no espaço sem nada visivel que me sustente. O mais antigo meio de transporte do homem ainda hoje passeia naquelas ruas como veículo do povo Rapa Nui. Chilenos que fazem lembrar os chilenos que eu imaginava chilenos, transportam-se nos seus cavalos como se de mota ou de carro. Selvagens ou domesticados são mais que os cães e fazem companhia aos nossos amigos moais por toda a ilha.

Foram dias mais que perfeitos. Desfrutámos de todos os pontos arqueológicos do mapa com a azáfama que o turista pede e vivemos a terra e o povo com a tranquilidade que o viajante tanto gosta. O sonho tornou-se real e encheu um grande e largo frasco de memórias.

Até logo!

Monday, October 1, 2007

Pelas casas de Neruda

Em Santiago chama-se “la Chascona”, em espanhol: despenteada, como alcunhavam Matilde Urrita pelo seu permanente aspecto. Dizem que por mais que se penteasse acabava por parecer não ter visto a escova. Matilde foi a grande paixão de Pablo Neruda. Esta casa fora construída pelo poeta para esconder o romance que mantinha com sua amante durante o seu segundo casamento com Delia del Carril. Mais tarde, quando Delia morre, Pablo casa com Matilde. Situada no sopé do morro de San Cristoval, foi construída num terreno que Neruda compra por um preço bastante baixo na altura em que a periferia da cidade era cotada como pobre. Hoje as grandes mansões da alta de Santiago fogem do centro, dando ao subúrbio a cobiça dos mais ricos. Lá de cima do monte pode ver-se a enorme metrópole que avança até à cordilheira andina mostrando-me ainda alguma neve neste fim de Inverno do hemisfério sul. Andando pelas ruas ladeadas de grandes edifícios, ocupadas com gente que se movimenta com pressa como em qualquer grande metrópole do mundo, pode ver-se ao fundo as montanhas dos Andes. Como diz Josh, o responsável no Chile da Worldteach, Organização Não-governamental que visitei aqui, Santiago é uma cidade com tudo o que uma grande cidade oferece mas onde se encontram contrariedades de um povo conservador que procura abrir a mente a tudo o que o tradicionalismo fecha.

Neruda tinha várias paixões. Diplomata ao serviço do país, poeta de prémio Nobel, o segundo chileno depois do primeiro sul americano de Gabriela Mistral, Pablo perdia-se em colecções, construções, copos, mulheres e o mar. As suas 3 casas são hoje museus que contam a história da vida de Pablo Neruda e mostram os seus caricatos, diferentes e cobiçados conjuntos de coisas que juntou ao longo da vida. Em Santiago, na colecção de copos de cores trazidas de vários lugares do mundo, podem ver-se os cálices picotados da nossa conhecida industria da Marinha Grande.

No cimo da colina de Bella Vista em Valparaiso, Neruda comprou e aumentou a “La Sebastiana”. Uma baía no centro litoral do Chile, a 120 kms da capital, importante porto de passagem das principais rotas comerciais do Pacifico sul e onde se erguem ministérios do Estado chileno para que se reúnam conferencias sobre o destino do país, Valparaiso mostra-se hoje uma cidade desenvolvida, conta com 270 mil habitantes e exibe famosos por serem únicos no país, elevadores eléctricos como os nossos lisboetas, que trepam os imensos morros dando acessibilidade as casas de imensas cores que deles caiem em cascatas fazendo-me lembrar os bairros típicos de Lisboa, com vielas e ruas estreitas a escalarem colinas até ao castelo. Sem o castelo em Valpo, sem um colorido tão berrante em Lisboa, aquelas cores também me levaram a Burano ilha vizinha da fabrica do vidro de Murano ao largo de Veneza. Lembranças que nos caiem sem razão forte ou lógica, apenas a nossa associação de imagens...

Também a “la Sebastiana” exibe um sem número de objectos que o poeta recolheu ao longo da vida, como as imensas estatuas das proas dos navios, mostrando mais uma vez nas suas casas a paixão pelo mar, aquilo que se pode ver de qualquer ponto dos 5 andares desta casa de Pablo Neruda.

Um pouco mais a sul, numa praia costeira que apesar de ser no continente se chama Isla Negra, Neruda construiu a casa “Isla Nerga”.

Aqui viveu com Matilde, e aqui morreu no dia 23 de Setembro do ano do golpe de estado de 11 do mesmo mês, que derruba o socialista Salvador Allende em prol de Pinochet, 1973. Em comemoração do dia da seu morte, a visita era guiada e gratuita. Com Alexandre, um italiano sardenho que vem ao Chile em busca das magnificas neves andinas para praticar o seu vicio de snowboard, que conheci no café central, habitual spot para ambos, na “minha” zona em Santiago, fiz a vista às 2 últimas casas do poeta. A paixão de Neruda pelo mar era de terra firme. “Marinheiro de boca” como ele próprio se denominava, amava o mar e tudo o que lhe envolve mas desde de terra. Em todas as suas casas os motivos de barco e a construção equipara à naval fá-lo sentir a navegar em terra firme e sem perigos. Algumas janelas que pareciam escotilhas, o chão que rangia como um convés, os tectos baixos e abaulados que faziam sentir estar num veleiro em alto mar, e a sempre que possível vista de mar com um telescópio na janela principal da casa, davam a Neruda a sensação de estar a velejar em alto mar sem ter de viver os verdadeiros perigos que o oceano lhe trazia.

Já de volta Santiago outra vez, bebendo mais um habitual copo do famoso tinto chileno no café de Rodrigo, desfruto da última noite na capital pensando que Carmo está algures na cidade e que nos encontraremos pelo menos no check in do aeroporto no dia seguinte para irmos para Ilha da Páscoa. Mas uma surpresa agradável traz-me a Carmo ao café central para ainda brindarmos ao tão esperado e confortante reencontro depois de semanas de separação...

Até logo