Monday, October 1, 2007

Pelas casas de Neruda

Em Santiago chama-se “la Chascona”, em espanhol: despenteada, como alcunhavam Matilde Urrita pelo seu permanente aspecto. Dizem que por mais que se penteasse acabava por parecer não ter visto a escova. Matilde foi a grande paixão de Pablo Neruda. Esta casa fora construída pelo poeta para esconder o romance que mantinha com sua amante durante o seu segundo casamento com Delia del Carril. Mais tarde, quando Delia morre, Pablo casa com Matilde. Situada no sopé do morro de San Cristoval, foi construída num terreno que Neruda compra por um preço bastante baixo na altura em que a periferia da cidade era cotada como pobre. Hoje as grandes mansões da alta de Santiago fogem do centro, dando ao subúrbio a cobiça dos mais ricos. Lá de cima do monte pode ver-se a enorme metrópole que avança até à cordilheira andina mostrando-me ainda alguma neve neste fim de Inverno do hemisfério sul. Andando pelas ruas ladeadas de grandes edifícios, ocupadas com gente que se movimenta com pressa como em qualquer grande metrópole do mundo, pode ver-se ao fundo as montanhas dos Andes. Como diz Josh, o responsável no Chile da Worldteach, Organização Não-governamental que visitei aqui, Santiago é uma cidade com tudo o que uma grande cidade oferece mas onde se encontram contrariedades de um povo conservador que procura abrir a mente a tudo o que o tradicionalismo fecha.

Neruda tinha várias paixões. Diplomata ao serviço do país, poeta de prémio Nobel, o segundo chileno depois do primeiro sul americano de Gabriela Mistral, Pablo perdia-se em colecções, construções, copos, mulheres e o mar. As suas 3 casas são hoje museus que contam a história da vida de Pablo Neruda e mostram os seus caricatos, diferentes e cobiçados conjuntos de coisas que juntou ao longo da vida. Em Santiago, na colecção de copos de cores trazidas de vários lugares do mundo, podem ver-se os cálices picotados da nossa conhecida industria da Marinha Grande.

No cimo da colina de Bella Vista em Valparaiso, Neruda comprou e aumentou a “La Sebastiana”. Uma baía no centro litoral do Chile, a 120 kms da capital, importante porto de passagem das principais rotas comerciais do Pacifico sul e onde se erguem ministérios do Estado chileno para que se reúnam conferencias sobre o destino do país, Valparaiso mostra-se hoje uma cidade desenvolvida, conta com 270 mil habitantes e exibe famosos por serem únicos no país, elevadores eléctricos como os nossos lisboetas, que trepam os imensos morros dando acessibilidade as casas de imensas cores que deles caiem em cascatas fazendo-me lembrar os bairros típicos de Lisboa, com vielas e ruas estreitas a escalarem colinas até ao castelo. Sem o castelo em Valpo, sem um colorido tão berrante em Lisboa, aquelas cores também me levaram a Burano ilha vizinha da fabrica do vidro de Murano ao largo de Veneza. Lembranças que nos caiem sem razão forte ou lógica, apenas a nossa associação de imagens...

Também a “la Sebastiana” exibe um sem número de objectos que o poeta recolheu ao longo da vida, como as imensas estatuas das proas dos navios, mostrando mais uma vez nas suas casas a paixão pelo mar, aquilo que se pode ver de qualquer ponto dos 5 andares desta casa de Pablo Neruda.

Um pouco mais a sul, numa praia costeira que apesar de ser no continente se chama Isla Negra, Neruda construiu a casa “Isla Nerga”.

Aqui viveu com Matilde, e aqui morreu no dia 23 de Setembro do ano do golpe de estado de 11 do mesmo mês, que derruba o socialista Salvador Allende em prol de Pinochet, 1973. Em comemoração do dia da seu morte, a visita era guiada e gratuita. Com Alexandre, um italiano sardenho que vem ao Chile em busca das magnificas neves andinas para praticar o seu vicio de snowboard, que conheci no café central, habitual spot para ambos, na “minha” zona em Santiago, fiz a vista às 2 últimas casas do poeta. A paixão de Neruda pelo mar era de terra firme. “Marinheiro de boca” como ele próprio se denominava, amava o mar e tudo o que lhe envolve mas desde de terra. Em todas as suas casas os motivos de barco e a construção equipara à naval fá-lo sentir a navegar em terra firme e sem perigos. Algumas janelas que pareciam escotilhas, o chão que rangia como um convés, os tectos baixos e abaulados que faziam sentir estar num veleiro em alto mar, e a sempre que possível vista de mar com um telescópio na janela principal da casa, davam a Neruda a sensação de estar a velejar em alto mar sem ter de viver os verdadeiros perigos que o oceano lhe trazia.

Já de volta Santiago outra vez, bebendo mais um habitual copo do famoso tinto chileno no café de Rodrigo, desfruto da última noite na capital pensando que Carmo está algures na cidade e que nos encontraremos pelo menos no check in do aeroporto no dia seguinte para irmos para Ilha da Páscoa. Mas uma surpresa agradável traz-me a Carmo ao café central para ainda brindarmos ao tão esperado e confortante reencontro depois de semanas de separação...

Até logo

6 comments:

MRA said...

Primeira!!!!!!

vasques said...

Finalmente mais noticias...
Mais um testemunho fantástico.

MRA said...

No "o meu país inventado", o povo chileno de Isabel Allende é muito parecido connosco, vi que também encontraste alguma semelhança.
Pablo Neruda conheço pouco, apesar de gostar muito dos autores sul americanos ... mas encontrei o mote para o procurar.

constipado said...

Li claro que li

lee said...

Cada vez melhor!:)
obrigada!

teresinha said...

eu tambem ca estou .. a ler, claro!
e a matar saudades..