Monday, November 26, 2007

Descendo para a Patagónia

O nosso próximo passo, o principal assunto das nossas conversas das duas semanas antes, era o barco da Navimag... Para descer o sul do Chile, de Puerto Montt até Puerto Natales uma das mais cobiçadas formas é este enorme barco que percorre o acidentado cenário do sul chileno durante 4 dias.
A cobiça desta viagem fez-nos marca-la com meses de antecedência. Foi escolher uma data aleatoriamente no calendário e seguir os passos até lá de acordo com a vontade e com o dia da ansiada partida.


Estávamos em São Pedro de Atacama, faltava uma semana para embarcar, mas o porto era bem longe. No mínimo 3 dias de viagem. Calculámos dias, lugares onde fazer escala, dia mínimo para estar no local de embarque e concluímos que vivíamos dois dias este oásis no deserto de Atacama, e depois seguíamos viagem. Sendo esta cidade um paraíso no deserto, as atracções turísticas são mais que muitas. Por entre as ruelas de pavimento macadam, casas de tijolos daquele barro misturado com palha e pelos de animais para o reforçar, vêem-se agencias de viagens, hosteis e restaurantes ou cafés que convidam a entrar.

O nosso copo de visitas turísticas estava cheio, cheio de paisagens merecedoras de uma boa arrumação... Não podíamos seguir de repente sem antes esvaziar este copo atestado de Bolívia. Precisávamos de descanso. No fim de tarde do dia da chegada a São Pedro, relaxando no café da praça central conhecemos Enzo e Álvaro que trabalham num desses bares/restaurantes que animam as noites dos turistas. Enzo, conhecedor do mundo, viajante por vocação, cozinheiro de profissão levou-nos a experimentar uma das tantas atracções da zona, o Sand-dune. Montados na bicicleta, prancha entre as costas e a mochila, deixámos a cidade em direcção as enormes dunas. Uma experiência diferente, engraçada, numa paisagem majestosamente desértica subimos e descemos as dunas numa manhã bem divertida.


Deixámos ao fim do dia São Pedro de Atacama em direcção a um cheirinho de patagónia argentina. Eram quase dois dias de viagem, em 3 autocarros diferentes, com uma hora de intervalo entre cada um até Bariloche. Bem preparadas para inventar formas de apresar o curso do tempo, embarcamos para Santiago, depois Osorno e dali então para Baraloche, o destino final. Nesta cidade com ambiente de estancia de ski alpina, passámos dois dias divertidos na boa companhia que conheceramos no nosso último autocarro. Henrik, Alemão, consultor de tecnologias de informação, que viaja pelo mundo durante os oito meses de licença sem vencimento que a sua empresa lhe deu, e Nicolas, o belga que vai abrir uma espécie de turismo de habitação com o pai, em Portugal!! Perto de Coimbra. Havemos de lá ir.

O dia da ansiada partida aproximava-se. De Bariloche tínhamos de seguir para Puerto Montt, porto de embarque da nossa odisseia seguinte. Mais um aborrecido e longo autocarro, uma dormida à pressa num qualquer hostal da cidade junto ao mar, e check in às 9h da manha de segunda feira. O embarque era só às 14h, até lá o tempo era livre. Fomos procurar um café e uma Internet, as formas mais que habituais para queimar de forma rápida e eficaz uma enorme porção de tempo. Marieke, uma holandesa que viaja durante 3 meses fez-nos companhia nessa manhã, e por mais quase 15 dias... Uma nova Amiga.

O, como já caracterizei, acidentado terreno das X e XI regiões do Chile impede que se ergam estradas possíveis de levar milhões de turistas por ano aos mais famosos pontos da Patagónia chilena. Assim, faze-lo de barco é opção para quase todos. Descemos então pelo prologo da patagónia que nos preparou para o que poderia vir dos seus imensos parques naturais.
A bordo formámos um grupinho mais ou menos fixo, com lugar marcado na popa do barco. Éramos 8 no nosso spot! Além de nós as duas e Marieke, a inglesa Lizze, que interrompeu o seu curso de medicina por um ano para viajar, pois mais tarde seria impossível, a holandesa Frederike que passeia entre mudança de empregos, o holandês Wouter, que vive há dois anos em Santiago, e o holandês Eelco que gere dois coffe shop em Amesterdão, mas fez uma pausa para viajar durante 2 meses na América do Sul, sendo que estas 3 primeiras semanas pela patagónia vem com sua Mãe.

Este barco, por várias razões, foi sem dúvida a melhor maneira de seguir viagem até à Patagónia. As paisagens que mostra, a tranquilidade que oferece, o grupinho de convívio que tive a sorte de encontrar, ofereceram 4 dias de descanso, placidez e boa companhia, e tudo isto em viagem. Pouco havia para fazer num grande mas limitado espaço a bordo. Depois da árdua tarefa que ocupava quase meia hora de manhã, de tomar o pequeno almoço, tínhamos de pacientemente, entre conversas, cartas, ou café e cigarros, e algumas fotografias a algum ponto interessante nas margens dos estreitos canais do Pacifico, esperar pelo almoço. Tínhamos o dia ocupado de refeição em refeição... A eficiente e atenta tripulação não perdia tempo em manter os passageiros bem informados sobre as rotas em curso e o que estava para vir. Algum ponto merecedor de visita era anunciado no altifalante impedindo qualquer hipótese de passar despercebido de qualquer máquina fotográfica. O ponto que mais me fazia ansiar por chegar era o fim dos Andes... ou melhor, a interrupção da cordilheira andina, que no ponto mais ao sul desta viagem, mergulha no Pacifico desaparecendo pouco a pouco e reaparecendo mais longe nas terras geladas da Antárctica.

Chegámos por fim a Puerto Natales, cidade que alberga quem chega ou vai partir na Navimag e quem vem para fazer o famoso W do parque natural de Torres del Paine. As tarefas são as mesmas para todos. Depois de instalados num qualquer albergue que cativou à saída do barco, segue tudo para o aluguer do material de campismo e compra de mantimentos para seguir por 5 ou 6 dias de trecking.

Nós, o grupo onde se instituiu a lei de proibição do uso do idioma dutch, foi se mantendo unido naquela tarde. Adiando o mais possível a despedida para sempre, ou até um dia, decidimos que merecíamos uma boa refeição. Um verdadeiro bife bem guarnecido na companhia do nosso velho amigo vinho. Foram uns dias bem divertidos, bem passados, com boas vistas e boas companhias.
Foi a melhor maneira de chegar à Patagónia!

Até logo.

Thursday, November 22, 2007

Bolívia

Depois do lago Titicaca apanhámos mais um autocarro local que nos levaria à capital deste país cheio de ícones de o-mais-qualquer-coisa-do-mundo.

De La Paz a Potosí

Seguimos com o grupo de Israelitas que conhecêramos no barco à vinda da ilha do sol, para um hostal recomendado por outros israelitas já antes vindos a La Paz. Mais do que o óbvio castelhano, ali, na Calle Santa Cruz, em pleno centro da grande e confusa cidade, fala-se o Hebreu. Os dizeres informativos são nessa língua estranha, que mesmo sem qualquer hipótese de entendimento dos caracteres, a direcção contrária com que se lê não deixa margem a sentido possível. A nossa aparência de evidente indecifrável nacionalidade fez-nos passar por nacionais do país judeu, dando-nos o habitual desconto que os viajantes de Israel têm nos hotéis desta zona da cidade, e mais tarde reparo que em muitos outros sítios do continente sul americano. Na noite em que chegámos já havia programa combinado, o spot aconselhado era não mais que um bar perto da zona, onde a noite acontecia, tal como no bar do costume em casa... a noite de La Paz estava dominada pelos que falam o Hebreu.

No fim da escolaridade obrigatória, antes de qualquer outro passo, para os israelitas o que se segue é o serviço militar obrigatório. Depois de 3 árduos anos para os rapazes e 2 para as raparigas, quase 100% da camada jovem deste país parte por um período sabático merecido, antes de qualquer plano de estudo ou trabalho. São mais que muitos os Israelitas que se encontram no caminho. São mais que muitos os sinais de passagem de israelitas pelas várias cidades da América do Sul. Para nós, La Paz, foi uma visita ao mundo de Israel...

Encontrámos neste, um grupo simpático com quem partilhámos os dias de visitas e passeios, ou mesmo compras pela cidade, sem deixar de viver os encantos que aquelas noites israelitas, tão parecidas com as nossa portuguesas, nos deram.


Partindo com pena sozinhas, pois os planos deste divertido grupo que crescia a medida que encontravam mais conterrâneos, eram outros, seguimos para a cidade de Potosí. Chegámos quase antes do sol, a cidade estava ainda adormecida. O Cerro Rico, aquele que se avista de toda a cidade, ainda hoje dá prata e outros minerais aos seus habitantes, sendo esta a principal fonte de receitas daquela que um dia foi a cidade mais rica do império espanhol. Dos recursos mineiros vive esta cidade.

Reza a lenda que um dia um índio – Diego Huallpa, subira ao monte atrás do seu fugitivo lama. Encontrando-o finalmente no topo, já de noite, acende um fogueira para se aquecer e vê fios de prata escorrer pela ladeira abaixo. Desde então se começa a exploração deste cerro que afinal eram tão rico em prata, recebendo por isso o seu justo nome. A prata daquelas minas fez enriquecer a zona e o seu explorador espanhol. A cidade cresceu exponencialmente, os benefícios que a população recebia ao trabalhar nas minas monopolizou a oferta de trabalho, a cidade viveu à volta desta industria durante anos. Até que um dia, o valor da prata caiu, o governo deixou de apoiar os mineiros. Estes juntaram-se em cooperativas de exploração das minas de forma a poder manter a sustentabilidade do negócio, e hoje Potosí continua a viver das minas e de algum turismo em redor deste trabalho que tão pouca saúde dá aos seus trabalhadores. As visitas às minas são guiadas, muitas vezes por ex-mineiros. Vestimo-nos a rigor, capacete, botas e lanterna na cabeça, começamos pelo mercado dos mineiros, onde compramos consumíveis usuais do dia-a-dia de qualquer trabalhador deste duro oficio. O habitual são as folhas de coca, que mascadas ajudam a enganar a fome e anestesiam a ideia de que se está a metros e metros de profundidade durante todo o dia, sem ver a sua luz, sujeitos a substancias tóxicas libertadas pelos minerais extraídos do cerro, e a enormes diferenças de temperatura.


Mesmo em dia feriado, não tendo a quem dar o saco de folhas de coca, foi impressionante ver como pode ser este quotidiano vivido por homens e mesmo rapazes a partir de 15 anos dentro do imenso monte que um dia foi o mais rico de sempre.


Salar de Uyuni

Ainda antes do sol se por já estávamos noutro autocarro local em direcção a Uyuni, a cidade ponto de partida para a visita ao maior deserto de sal do mundo - O salar de Uyuni. Além de um terminal de autocarros, pouco mais tem esta cidade. Chegámos, dormimos, e no dia seguinte apanhámos então o jeep para percorrer por 3 dias o salar e tantas outras belezas além deste enorme chão do sal. Éramos 7 no nosso. Um simpático italiano a viver em Madrid, companheiro da anterior visita às minas de Potosí, 4 checos e nós as duas. Sem me aperceber bem o que poderia ser a paisagem de um deserto de sal fiquei desde o primeiro segundo abismada com o que via. Um branco a perder de vista riscando uma linha de horizonte jamais vista antes...

Além do nosso jeep havia mais outras tantas dezenas iguais ao nosso, por ser a única forma de visitar este deserto. Na imensidão do branco nunca me senti encurralada por milhões de turistas. Andávamos todos juntos pero no revueltos. Pelo caminho visitámos a fabrica dos tijolos de sal, um hotel construído com estes mesmos tijolos, e ainda a ilha do Pescador, a prova de que ali, a muitos quilómetros de distância de qualquer oceano que banho este continente, houve mar e nele, uma ilha, onde actualmente apenas vivem cactos. Hoje, nesta área de 12 mil quilómetros quadrados resta uma imensa e eterna camada de sal que sustenta as populações da zona. Nessa noite dormimos num outro Hotel de Sal, já fora do salar. As camas, as mesas, os bancos, as paredes eram com tijolos não de barro mas de sal. O chão era como a praia mas do branco mineral que tempera... Nem podia imaginar quão isolador é este produto. Nem frio nem som estão capazes de transpor estas paredes.

No dia seguinte partimos para mais paisagens inesperadas e imponentes. Fora do branco, já em deserto normal, seguimos em busca de flamingos das lagoas mais coloridas de sempre. A viagem naquele banco de trás do longo jeep não deixou nunca lugar para a monotonia. Da janela a imagem fazia prender a vista. As paragens para uma foto eram mais que muitas. Nunca parecia mais do mesmo, havia sempre um pormenor diferente, merecedor de foto, mais uma cor não vista antes, mais flamingos diferentes dos anteriores, ou num contexto diferente.

A mais impressionante lagoa foi a chamada colorida. Com a ajuda de minerais da zona, a água cobre-se de um vermelho arroxeado, um fuxia alaranjado, misturados com risca de azul, branco, verde, fazendo acabar a bateria e a memória da máquina. Os seus habitantes de perna alta tomam até um especial encanto. Mais flamingos, mas estes diferentes. Aqui fez falta a outra lente, aquela que permite chegar mais perto... embora nem mesmo essa poderá alguma vez mostrar o que viram os olhos. Nem a tecnologia digital dos dias de hoje poderá impressionar como a vista real daquela enorme e riscada lagoa me impressionou.

Na manhã seguinte foram os géisers e as águas termais o nosso destino. A alvorada foi bem cedo, antes das 5 estava eu outra vez naquele banco de trás do jeep, sem que o sono ou a geada me deixavam ver por onde íamos... O frio daquele amanhecer quase me impedia de manejar a máquina. Jactos de vapor com uma força incalculável saíam da terra como a água de bocas de incêndio activas. Depois das quentes águas termais, alcançando quase 36º, levar muitos a banhos, mesmo com 0º ou menos cá fora, tomámos o pequeno almoço. Eu sucumbi aos banhos... não me fosse fazer mal a diferença de temperaturas... Seguimos caminho para a Lagoa Verde e depois para o fim do tour. Uns seguiam de volta para Uyuni, outros, como nós, seguiam para o Chile, para a cidade de São Pedro de Atacama.

Muitas vezes achamos que queremos fugir aos tours turísticos por serem turísticos, mas muitas vezes é turístico exactamente porque vale a pena lá ir. Esta foi uma das viagens turísticas mais espectaculares que fiz.

Até logo!

Saturday, November 10, 2007

Lago Titicaca

Navegável é o mais alto do mundo, acima dos 2000 metros é o maior, e da América do Sul é o mais vasto. Mas muito mais além de posições de rankings geográficos tem este lago que mostrar. Lendas, histórias e mitos são contados aos turistas de forma organizada replicando a antiga ou ainda existente vida das gentes do lago. Também nós ingressamos numa visita organizada.

Chegámos a Puno, cidadezinha nas margens peruanas do grande lago, e fomos recebidos com um dos nasceres do sol mais incríveis e coloridos que já vi. A começar assim, mal podia esperar por esse tour às ilhas do Titicaca. Seriam dois dias de visita às ilhas com uma noite em casa dos habitantes da ilha de Amantaní. Era a parte do programa que mais me engodara. Ser hospede de um nativo... como seria? O que é que nos esperava? A curiosidade e a expectativa eram grandes.
Antes de embarcar, no cais de Puno, diz-nos o guia que temos 10 minutos até entrarmos nesse grande e profundo lago. “Podem comprar qualquer coisa para a família anfitriã”. Fizemos como manda o suposto e dirigimo-nos ao barco.

A primeira paragem foi na ilha de Uros, aquela que mais conhecido além fronteiras torna o Titicaca. Usando da matéria prima disponível, as imensas plantações de totora ou junco, os povos pré-inkas, índios Uros, pioneiros na conquista do lago faziam as suas ilhas flutuantes, e dela as suas casas, as suas embarcações, e até a sua alimentação. Por falta de terra para se estabelecerem encontraram nesta erva que cresce no lago uma forma de sustento. Hoje em dia a doutrina acerca destas gentes divide-se. A ilha é apenas turística ou ainda há quem viva nestas casas de junco. Quando nos aproximamos de uma das ilhas flutuantes, mulheres com vestes típicas acenam-nos com boas vindas ajudando-nos de sorriso na cara a desembarcar em suas casas. Montam o cenário perfeito para enaltecer o olho do turista, fotografar o que já está em todos os postais, e ainda fazer uns trocos com umas vendas de artesanato local. Mascaram-se de propósito para os receber e cantam a música dos seus antepassados. Visitamos as casas, provamos o junco, aprendemos como e porquê aquelas ilhas existem, e percebemos porque tantas das suas casas têm painéis solares nos telhados. Afinal há ainda quem viva nestas ilhas. Sendo ou não esta a doutrina certa, a que o guia defende, saí da ilha de Uros já sem ressentimento por me ter metido no tour mais turístico de sempre, mas com a sensação de que pude ver como viveram em tempos (ou como ainda vivem) famílias inteiras numa ilha flutuante num dos maiores lagos do mundo. Desde dessa manhã apercebi-me que ia visitar um museu em ponto real, com representações verdadeiras do que foi ou ainda é a vida no lago Titicaca.

Seguimos viagem até à próxima ilha, a hospitaleira. Fomos recebidos mais uma vez por locais mostrando a sua mais típica indumentária e com o seu mais genuíno e gracioso sorriso que me enterneceu por completo. Os habitantes de Amantaní além de viverem dos recursos naturais que dá a terra, sustentam-se muito com as visitas destes tours de turistas que lhes pagam uma diária e muitas vezes lhes levam mantimentos ou presentes para os mais pequenos. Em troca do pagamento estas famílias dão-nos dormida, comida bem típica e bastante boa, e uma óptima companhia, mostrando-nos como vivem. Mais uma cultura nas ilhas do Titicaca que tivemos oportunidade de conhecer, e esta de uma forma tão próxima e tão real. Hilária recebeu-nos com poucas palavras mas flagrante felicidade. Viúva com 4 filhos, sustenta e gere a casa com alegria e destreza. Sem nunca deixar a sua roca que fia sem cessar, Hilária guia-nos aos pontos de encontro com o guia e os outros turistas, deixando um sorriso de agradecimento e satisfação quando segue ao seu labor. Nem à noite a organização parou. Uma festa com música local, vestidos a rigor, encheu-nos o animo e fez-nos dançar.
Na manhã seguinte, depois de mais um rico pequeno almoço da nossa anfitriã, despedimo-nos com agradecimento e seguimos a visitar mais uma ilha.

Cada ilha, cada tradição, cada costume, cada forma de viver. Em Taquile, a última ilha visitada, resistindo ainda uma comunidade indígena, os códigos são vários. Os homens mostram no barrete, parecido na forma com o do nosso campino ribatejano, o estado civil. Solteiro é branco, de cor é casado. São eles que costuram os mais conhecidos têxteis, e segundo os próprios dos melhores, do Peru. Num caminho à volta desta ilha menos dependente da actividade turística, conhecemos as suas gentes, os seus hábitos, e acabámos o tour num bom almoço de convívio.

Além do lado peruano do lago deste enorme altiplano, também a Bolívia detém uma parte das suas águas. Em 40% o lado boliviano mostra os seus encantos, histórias e mitos deste lago que um dia foi mar. A Ilha do Sol, que segundo a lenda andina foi o berço da civilização Inka, também se deixa visitar com mais lendas dos tempos deste povo. Desde Copacabana sai um barco que nos leva até essa ilha do deus Inka. Depois de um passeio em seu redor, voltámos ao barco e voltámos a terra. Seguimos viagem em direcção à capital boliviana, deixando o lago adormecido na sua forma de um Puma, o felino adorado deste povo andino.

Até logo!

Tuesday, November 6, 2007

Visitando os Inkas

Engenheiros, arquitectos, agricultores, soldados e guardiães, os Inkas dominavam a montanha andina como ninguém, detendo uma resistência impar e surpreendente para a época. Na mais alta, mais inclinada e inacessível montanha, onde houvesse terreno fértil havia zona de socalcos plantados, onde houvesse ponto de vista estratégico erguia-se uma torre de controle. Construíam os seus templos e palácios com perdas perfeitas que até hoje não se sabe como as cortavam de tão polidas e rectilíneas que se encontram. Construções do século XII ainda hoje perfeitas, intactas, resistindo desde sempre a massacres e terramotos. Só mesmo as armas de fogo das invasões espanholas detonaram este bravo e indestrutível povo, que não deixou de marcar a sua existência sendo ainda hoje principal identidade deste país, fazendo parte activa da história do Peru.

Hoje permanecem ruínas, guias e teorias para trazer milhões de turistas de todo o mundo ao Peru, ansiando conhecer as proezas erguidas por um povo que ia muito além do que se pensa que se conhecia na sua altura. Chegam dos quatro cantos do globo especialistas de todos os ramos para tentar adivinhar como construíra este povo tão impressionantes e maravilhosas obras de engenharia, com tão poucos recursos e técnicas... Pensa-se em ignorância... seriam eles tão desprovidos de conhecimentos? Ou estaria o desconhecimento do outro lado do Oceano?

A nossa visita à principal fonte de receita do turismo peruano começou por Cusco, termo que significa Umbigo na língua mãe da civilização Inka, o Quechua, que ainda hoje é falado pelo país fora. Diz-se que este lugar era para os Inkas o umbigo do mundo, era esta cidade o centro de todo o seu império. Chegámos em dia de censo nacional. Depois de uma viagem de 22 horas de autocarro desde a capital, Cusco estava vazia, silenciosa, com a actividade a meio gás, e não totalmente parada para não afectar o turismo. Deambulámos pelas ruas empedradas de passeios largos, inclinadas e repletas de lojas de artesanato local enchendo o olho do visitante, descobrindo a pouco e pouco a sua orientação e a sua gente que aparecia gradualmente à medida que cumpria o dever cívico. A cidade foi abrindo lentamente, mostrando-nos os seus encantos aos poucos. Finalmente cheia de vida, Cusco aparece como um lugar familiar, rústico, castiço. Apetecia ficar...

Bem perto da cidade estende-se o Vale Sagrado, lugar verde, fértil, de imensas riquezas naturais onde este bravo povo se estabeleceu e cresceu. Para o visitar existem tours, excursões, pacotes turísticos, do tempo que se tiver disponível, partido em dias ou horas. Mas para nós, a oportunidade foi diferente. Mais uma vez a Oikos permitiu que não ingressássemos em visitas pré-marcadas com horários e tempo limitados para percorrer este imenso vale repleto de civilização Inka. Com Abel, um colaborador do projecto da Oikos em Cusco, percorremos todo o vale, durante todo o dia, visitando as suas proezas, riquezas e vistigios Inkas. Desde Pisac a Ollantaytambo tudo o que os Inkas aqui deixaram foi visto por nós, deixando-me desde logo uma admiração forte por estas origens peruanas.

Maravilha do mundo, Património da Humanidade, jóia do Peru, orgulho cusquenho, a cidade Inka mais incrédula e admirável de sempre aproximava-se. Porquê esta misticidade sobre a cidade em ruínas? Porque visitam milhões de turistas por ano, de todas as partes do mundo este lugar? Porquê está esta cidade perdia marcada no mapa mundo? Mal podia esperar para poder encontrar respostas a tudo isto. Iria eu perceber porquê?
Estávamos finalmente a chegar a Machu Picchu! A ansiedade que já se tornara dor de barriga, não me largava desde há dias. Cada vez estava mais próxima a chegada. O Comboio ziguezagueava pela montanha, marcha a frente, marcha atrás, deixando a cidade de Cusco a pouco e pouco, aumentando a minha já patológica ansiedade de forma galopante. Do outro lado da janela o Vale Sagrado, a paisagem verde andina, Inka, não me deixava adormecer resistindo facilmente à luta contra ao imenso sono que aquela alvorada madrugadora me dera.

É em Aguas Calientes que termina a linha de comboio e onde se apanha o autocarro para a entrada da esperada cidade. Aqui encontra-se uma infra-estrutura que suporta os milhares de visitantes que anseiam como eu ver Machu Picchu. À entrada das ruínas apenas existe um hotel de luxo, onde uma minoria de afortunados turistas se aloja adormecendo ao som da mais conhecida montanha Inka. Graças a um Amigo especial era ali que íamos dormir! A oportunidade de acordar ao lado dos Inkas é rara e única, e nós tivemo-la como um inesquecível presente! Entrámos no Santuário Lounge para fazer check-in espantando o próprio camareiro que ao abrir a porta pergunta com palavras de defesa o que vêm duas mochileiras fazer ao lobby do hotel? Temos uma reserva! Ali ficámos desfrutando do magnifico espaço privilegiado imaginando o dia seguinte que ia chegar antes de tudo e de todos.

Naquela manhã, ainda nem o sol tinha aparecido por detrás da montanha, já estávamos na porta de entrada esperando que nos deixassem ingressar pela cidade perdida... A magnitude e grandeza do que via ao vivo, com os meus próprios olhos, ia muito alem de todas as imagens que os postais e as fotografias promotoras das agencias de viagens me tinham posto na memória. Com o grande Waynapicchu por trás, a cidade estende-se naquele amanhecer reflectindo no enorme monte a luz da aurora, petrificando o meu olhar e os meus movimentos, sem quase conseguir manejar a máquina. Começavam a entrar respostas às minhas ingénuas e tontas perguntas. Além da impressionante construção Inka, de uma enorme civilização que é descoberta apenas no inicio do século XX por um curioso arqueólogo americano, esta paisagem impõe um sentimento de pequenez, de inexistência, de incredibilidade jamais sentido antes. Sem palavras para materializar como bate o peito entendo desde o primeiro segundo o porquê da fama deste lugar.

Já com o sol à vista caminhámos em direcção ao sopé de Waynapicchu, para o galgar. Lá de cima outra vista que nos prende a respiração. A bruma que cobre e descobre a cidade aleatoriamente no tempo envolve-me naquele cume voltando a trazer respostas ao meu interior... Que imponência.

Também Adam, um americano que viaja há meses, se petrifica com aquela vista. Com ele seguimos à descoberta de tantos mais pontos e lugares daquelas ruínas. Entre paragens contempladoras e milhares de fotografias vagueamos pela cidade em busca de mais pontos de vista. Foram ainda mais dois lugares lá no alto que visitámos. De todos os pontos a vista era diferente e igualmente impressionante e indescritível nas imagens e nas palavras.
Foi um dia longo, cheio de coisas e respostas. A viagem de volta a Cusco passa com a rapidez da vontade de chegar a mais um pedaço da maravilhosa oportunidade que nos presenteia o mesmo Amigo que nos deu o nascer do sol em Machu Picchu. Era no Monesterio que íamos ficar mais duas noites. O descanso confortante do melhor hotel de Cusco preencheu por completo a visita ao centro do mundo Inka. Aproveitamos a cidade como nunca, com a alma cheia e rica de satisfação. Obrigada Xico!


Até logo!