Wednesday, August 29, 2007

Ilha de Atauro

O barco está fretado, o grupo está criado, o fim de semana está a chegar, sempre vens a Atauro, Rita? Sim, foi a minha resposta. Um fim de semana de praia e descanso depois da integração nesta agitada vida na capital timorense, era o que sabia bem.
Sábado de manhã, bem cedinho, o barco esperava-nos fundeado perto da costa, para nos levar até essa magnifica ilha em frente a Dili, onde ainda há menos de 70 anos o povo vivia como na idade da pré-história. Éramos 8, o Pedro e as filhas, Inês e Violeta, a Sara, o Bruno, a Maria João, o Luís e eu. Embarcámos num botezinho que nos levou até ao barco do Jimmy e voltámos a desembarcar num barquinho local que nos levou até ao cais de Atauro, melhor dizendo, à praia. Por aqui andámos até à “praça” principal, um pequeno alargar da única estrada da ilha, onde existe um mercado e um pequeno ajuntamento de pessoas. Aqui esperámos pelo carro, a carrinha branca, como era ali conhecida, onde na caixa aberta nós e as nossas malas iríamos até ao eco-resort onde iríamos ficar. Um conjunto de cabanas de bambu, cobertas de colmo, implantadas num palmeiral em cima da praia, com caminhos de perdas no meio de um chão de erva entre as casas, era o nosso poiso. Uma delicia. O banho era de balde, dentro de um muro redondo, sem tecto, com folhas de palmeira e outra vegetação a decorar. A casa de banho era ao lado, noutro cilindro de alvenaria, com apenas um buraco em cima de uma espécie de cadeira, onde dentro seria um saco para depois recolher e deitar no eco-ponto. Estávamos bem perto da natureza.

Depois de confortavelmente instalados e um cafezinho bem timorense tomado, íamos de novo apanhar um barco, para experimentar uma praia que diziam ser lindíssima, na ponta mais ocidental da ilha. Desta vez era um barquinho típico local, um casco curto, estreito e comprido equilibrado com dois troncos, um de cada lado, que o tornava um trimaran bem estável e seguro. Um motorzinho fora de borda, dois timoneiros, um ajudante cuja a tarefa era tirar a água do barco, e nós, os tripulantes, arrumados em fila indiana ao longo de todo o convés.

A lenta viagem até Acrema foi acelerada pela admiração constante da paisagem subaquática e da vista terrestre. Naquela água a todo o momento dava vontade de mergulhar, de ir ter com aquele chamativo e colorido fundo. Entre músicas, fotografias e deslumbramento do cenário, fomos navegando até ao destino. Chegámos finalmente ao paraíso, uma praia de areia branca, onde os diferentes fundos definiam milhões de azuis diferentes, onde a densa vegetação nos separava da montanha atrás do areal...
A praia pedia que ficássemos, uns passeios até à ponta, uns banhos na transparência turquesa daquela água não nos despertavam qualquer vontade de sair dali. Mas tínhamos hora marcada com os timoneiros, às 3 tínhamos de voltar, era o combinado. Esticando o tempo o mais que podíamos, sem entender porque teríamos de partir tão cedo, já que o sol só se punha daí a tanto tempo, lá soltámos amarras para voltar ao resort. A volta estava tranquila. Continuávamos a admirar aqueles corais tão perto de nós... sim, estavam de facto bem perto, cada vez mais, via-se tudo a olho nu, mesmo à frente dos nossos olhos... Pareciam até estar perto demais. Conseguíamos admirar as imensas e coloridas estrelas do mar que poisavam naqueles corais sem sequer nos debruçarmos muito... o barco calava pouco, mas ainda assim não parecia o suficiente para passar ali, já que a maré ia cada vez mais baixa... Talvez fora esta a razão, que inicialmente não entendíamos, que nos obrigaria a partir tão cedo daquele paraíso. Afinal os nossos guias conhecem a sua terra, não confiar ou desafiar foi um erro.
O ajudante que despeja o fundo do barco muda a sua posição para proa indicando ao leme o caminho a seguir, tentando evitar o baixo fundo sempre que possível... Calmamente, muito devagar, sentido aqui e ali os corais nos pés, seguíamos viagem. O sol estava cada vez mais baixo. Pouco nos tínhamos afastado da ponta, muito faltava para o destino, quando percebemos que efectivamente estávamos mesmos encalhados! Não iríamos conseguir seguir viagem assim... Que fazer? Era preciso tomar uma decisão. Não tardava a noite cair e aí sim estávamos em maus lençóis. Seguindo as indicações do nosso organizador Luís, que rapidamente encontra um plano de contingência, e com o Tétum existente no grupo, partilhado apenas pelo Bruno e pelo Pedro, rumámos direitos a terra, para de lá seguir então por estrada. As perguntas eram se haveria alguém que nos pudesse vir buscar e se haveria caminho possível de trazer carro até ali. Era possível sim. Os apenas 14 Kms de estrada existentes em Atauro, dos quais nem 7 serão alcatroados, e sem sequer darem a volta à ilha, chegavam até onde estávamos. Desembarcámos, desbravámos floresta até à estrada, e esperámos calmamente pela nossa boleia.
A arca do Bruno ainda estava pesada, não tínhamos dado conta do imenso rosbife e de tanto pão. Distribuíram-se sandwichs pelos nossos tão atenciosos e amigos timoneiros, e aos locais que nos olhavam como típico grupo de turistas perdido em parte incerta sem o mínimo de conhecimento da vida naquela ilha, demos-lhes um pacote de bolachas que para um genuíno agradecimento nos retribuíram com uma carapaça de tartaruga embebida em óleo polidor. A carrinha não chegava, a dia ia acabando e a impaciência pura com um pragmatismo ingénuo de uma criança de 7 anos, fazia a Violeta sugerir a todo o segundo que fossemos andando a pé. A carrinha com certeza que nos vê e nessa altura apanhamos boleia... óbvio... “Alguém quer Camembert?” Perguntava o Bruno no meio daquele ambiente selvagem, que nos fazia gargalhar de tão bizarra combinação de queijo importado numa ilha deserta...
A volta a casa foi rápida. Chegámos antes da noite, em mais uma caixa aberta, admirando os imensos penhascos que nos traziam o coração à boca em cada curva que a roda da carrinha passava tangente ao precipício, mas deixando-nos mais um magnifico ponto de vista daquela espantosa ilha.

Para o jantar esperava-nos um peixe grelhado encomendado antes da partida para a inimaginável aventura do dia. Na cabana sem paredes, sala de convívio e de refeições, sentados à mesa em almofadas no chão, passámos ali uma noite bem agradável ao som da selecção de música da Sara, à luz de lanterna a petróleo, com o barulho da natureza de fundo.
No dia seguinte desfrutámos a praia em frente ao Resort. Banhos difíceis de acabar, um sol que não cessava, uma tranquilidade anestesiante... A volta no barco do Jimmy estava prevista para 3h da tarde. Escaldados do dia anterior, não ousaríamos por nada sugerir prorrogação de horário, embora apetecesse bastante. Se é às 3 que barco tem de sair, assim será para nós. O vento levantou-se antes do esperado e as ondas atrasaram a corrida. Dili ainda demorou a chegar, e o mar não me deixou nem um cm2 seca...


Um belo fim de semana na Ilha de Atauro!


Até logo.

Monday, August 27, 2007

Finalmente em Timor

Era talvez este um dos destinos que eu mais ansiava... A vontade de chegar a Timor deixou de lado a eventual preguiça de sair de casa para voltar à jornada. Vinha cheia de esperança, de entusiasmo, de curiosidade, vinha para Timor, um país que finalmente é seu, tão longe, mas tão perto de nós...
A expectativa estava assente num trabalho que iria desenvolver no mundo das organizações não-governamentais. Surgira a oportunidade de fazer um estágio numa ONG local, impulsionada mais uma vez pela preciosa ajuda do meu Amigo Miguel. A organização chama-se Belun, termo que em Tétum, a outra língua oficial deste país além do Português, significa Amigo.

Os primeiros dias foram de habituação, de conhecimento dos códigos de conduta de uma sociedade tão diferente das que eu conhecia até então, de adaptação à vida desta agitada e controversa capital de um dos países mais jovens do mundo, em que o rescaldo da violência dos tempos da ocupação indonésia, se vive no dia a dia e onde a geração de 75, que nasceu em ambiente de luta, apenas conhece essa forma de viver. Na lusa, o primeiro sítio que nos recebeu majestosamente pelas mão do Pedro, o jornalista, as notícias chegavam frescas, vivia-se em cima dos acontecimentos, o que para o meu pouco conhecimento sobre a situação actual de Timor, eram grandes cavalos de batalha que se erguiam a cada mensagem de alerta no telemóvel. Ao longo dos dias fui tirando cabeças ao dragão, inteirando-me de uma paz diferente que se vive neste país...

Mas o período de mudança de governo, onde o contentamento de uns é o descontentamento de outros, cria distúrbios e manifestações de derrotas não aceites, com ou sem razão. Os alertas aumentaram e o recolher obrigatório durou vários dias. Vivia-se um dia a seguir ao outro sem nunca poder fazer planos sobre nada, estando sempre submisso ao que diziam as autoridades de segurança. O incêndio da alfandega, aniquilando por completo todos os registos oficiais desta jovem nação fora uma das manifestações dos descontentes, assim como casas incendiadas de pessoas que nada tinham, ou simples bloqueios de rua com pneus queimados para mostrar revolta. Aprendi a lidar com este dia a dia de tensão, de movimentos cortados, de vassalagem ao que os grupos dos mais rebeldes iriam fazer em cada dia. Aprendi a dar um especial valor à liberdade e à paz, e a perceber como é difícil e diferente viver num país nesta situação.

Um dia de manhã estava em casa pacientemente esperando que chegasse a minha boleia para o escritório, quando ao espreitar pelo buraco do portão vejo um grupo de timorenses dentro do campo de refugiados em frente a casa numa euforia estranha de como quem festeja uma vitória antecipada, com uma ira assustadora, cantando algo alusivo à liberdade de Timor, ou qualquer coisa parecida que apanhei do Tétum que expressavam. No meio das danças voaram umas pedras tentado atingir os carros que passavam. Não me senti muito confortável para sair de casa naquela manhã. Mas as pedras foram escassas, e passado pouco tempo parou a revoltante euforia e a minha boleia chegou, sem grande problema saí. Mas o medo e o susto duraram a passar, tinha chegado a Dili há uma semana e quando já achava que estava inteirada da vida nesta cidade, rebenta a semana mais agitada. Nesses dias vivi situações de tensão e stress como não vivera antes. Os filmes que imaginei foram muitos, para a minha ingenuidade esta era uma situação violenta. Essa semana foi a mais controversa. Todos os dias ficávamos em casa obrigados a recolher antes da noite e impedidos de sair de antes do dia. Difícil esta aceitação de condicionamento de movimento. Estranha e longe da minha realidade. O que sempre me confortava era a presença da Joana, quem nos recebeu quando chegámos a Timor. Já integrada na cidade, e tendo-me recebido em sua casa nesta semana mais desinquieta, ensinou-me a interpretar esta sociedade apenas com a sua maneira simples e genuína de encarar as coisas. Acabaram por ser umas noites agradáveis na companhia da Joana e da Maria, a ouvir histórias de Dili e de outros locais.

É difícil fazer uma descrição isenta do que quer que se viva, sem se desviar na direcção das sensações criadas a cada momento vivido. A minha primeira impressão e adaptação à cidade demorou, criei-a com a maior atenção possível ao ambiente, às pessoas, aos amigos. Hoje vou e venho do trabalho de bicicleta, já mais à vontade, contornando a baía do mar de Timor que banha Dili, esta cidade pouco vestida mas com um encanto especial oferecido pela paisagem em seu redor. Mais impressões e sensações terei no fim da minha estada em Dili.


Até logo.

Tuesday, August 21, 2007

Um outro Pôr do Sol

Não querendo perder o sentido cronológico deste diário de uma viagem, não posso deixar de referir acontecimentos que mesmo que marginais ao curso normal dos 360, merecem um pequeno escrito pela forma como influenciaram a entrada de novo na rota inicial.
Foram quase 3 semanas que os casamentos de uma afilhada e de um irmão nos levaram a casa. Compromissos familiares que de maneira nenhuma queria deixar de cumprir fizeram um intervalo na nossa rota. Não por obrigação, mas por muita vontade a situação proporcionou-se e deu para seguir o desejo. Ao princípio assustava-me a ideia de parar a meio de algo que me fazia pensar ser sem intervalo possível, como é que eu, algures em parte incerta da Ásia iria conseguir ir passar uma temporada a Portugal? A escolha tinha sido embarcar numa viagem longa e contínua pelo mundo... Mas a verdade é que a vontade de estar, pelos acontecimentos que justificavam a vinda, era forte e acabou por fazer sentido uma separação da viagem em duas etapas. Esta viagem não tinha de ser longa e contínua, tinha de ser como eu quisesse que fosse. A quebra foi exactamente a meio, em termos de objectivos, e mesmo até de cansaço... Uma vida de nómada, de vaguear por aí, de poder partir à aventura sem irresponsabilidade desmedida, todos um dia invejamos ter. Eu tive a sorte da oportunidade me bater à porta, muito pela mão da Carmo, que deu o primeiro chuto numa bola, que acabaria por rolar mais do que se imaginara ao príncipio, quando me propôs juntar-me à já fixa ideia dela. Agarrei a oportunidade, deixei rolar a bola e segui o instinto mais real que alguma vez senti. A decisão foi a melhor, deixei-me deambular pelo correr dos acontecimentos até à hora da partida, apercebendo-me mais tarde, que só esta tinha sido a verdadeira consciencialização de que tinha tomado a mais diferente e bruta decisão da minha vida, até agora. Foram 4 meses de euforia, loucura, descoberta do mundo, de mim, dos outros, de casa, de tudo. Foram quatro meses que me deram muito, fizeram-me crescer e ensinaram-me imenso.
A vontade de parar, de interromper esta viagem que tanto me trazia, que tanto gozo evidente me estava a dar, ia crescendo à medida que o dia se vinha aproximando. Vejo-me a sentir um crescente de saudade, que nunca antes havia sentido, mesmo em alturas mais sensíveis que por serem especiais choram por um abraço real. A saudade é um sentimento que cresce na razão inversa ao tempo que falta para cessá-lo. Quando saímos por muito tempo, aparece pouco no princípio camuflado pela vontade de partir para o desconhecido, pela expectativa, e vai crescendo ao longo da consciencialização de que estamos longe e às vezes sós... Enquanto há descoberta não há espaço nem tempo para pensar que estamos afastados do nosso meio, a euforia rouba-nos a nostalgia e deixa-nos entretidos na procura, na observação, no conhecimento… Quando se anda a viajar tudo se enfrenta com o encontro desta nova vida de nómada, de não pertença, de às vezes vazio… Mas este vazio, que se aproveita de um mínimo momento de fraqueza, traz de repente ao pensamento a variável tempo. O crescimento deste sentimento que tanto nos dá alento à vida, dispara de forma desmedida, parecendo não querer parar tão cedo, parecendo asfixiar, deixando-nos sem recuperação possível... Sentimo-nos sem chão e sem norte. O sentimento toma conta de todos os espaços à minha volta, trazendo quase a vontade de voltar a casa e de desistir de tudo. Tudo se transforma em monstros indomináveis, tudo fica fora de controlo… Mas claro que tudo isto passa com um esfregar de olho do diabo, e no momento imediato estamos a dar graças à saudade por nos aquecer como um cobertor num momento de frio inesperado. A saudade traz-nos à memória todo o alimento para a matar. É ela um sentimento que nos mata e que nos faz viver ao mesmo tempo. Muita coisa vi, por muito sitio andei, muitas pessoas conheci, muita bagagem nova trago comigo para a viagem maior de todas, a da vida. Quando com tudo isso ao de cima, fresco e fazendo-me crer que estou carregada de novos combustíveis que fazem andar qualquer veículo que nos transporta, vejo-me em casa a apreciar de outra forma, com outro olhar, com a descoberta de sentimentos escondidos na certeza das certezas evidentes, que por o serem não emergem nunca, um pôr do sol que para mim é especial.


Agora parto para mais uma etapa da viagem, com forças e vontades que por saber ao que vou e ao que volto, são ainda maiores que as que tinha na primeira partida.

Até logo.

Tuesday, August 14, 2007

Venha à Malásia em 2007

Era o que dizia por toda a parte. Mesmo fora das cidades grandes via-se este apelativo slogan a convidar a visitar o país em data de comemoração dos 50 anos da independência. A mais orgulhosa comemoração que já vi. A sensação é que desde do dia 31 de Agosto de 1957, quando na praça Merdeka se ergue o maior pau de bandeira do mundo, que este país segue sozinho acreditando que por isso se desenvolverá próspera e sustentadamente. Passados 50 anos é o que se sente, é o que se vê. As pessoas vivem contentes e orgulhosas por viverem na Malásia, mas sem exibir patriotismos narcisistas. De origem indiana, chinesa, ou já se considerando malaios, todos nos surpreendem com dedicação e simpatia, tão genuínas que afasta a hipótese, ou nem a cria, de efeitos secundários da generosidade gratuita que tão preconceituosamente muitas vezes criamos. Também cheguei a Kuala Lumpur sem a Carmo, que ficara mais dois dias em Bangkok por questões de facilidade de compra do bilhete de avião. Comprámos em alturas diferentes, por razões diferentes, o que resultou em datas diferentes.
Embarquei ao fim da tarde em direcção à capital da Malásia, pensando que durante a viagem de avião iria ler o capítulo dos sítios para ficar do Lonely Planet. Sentei-me e puxei do meu best-seller. Ao meu lado estava um casal Malaio a quem pedi conselhos sobre KL. Foram 2 horas de conversa. O privilégio foi ouvir de quem conhece, aquilo que o livro recomenda. Um conselho a um viajante estrangeiro todos temos vontade de dar, claro, mas aqui, além da dica vem sempre um telefonema para o hotel a ver se há lugar, um encaminhamento para a melhor forma de ir para o centro, às vezes até uma boleia… Chinatown foi o sugerido e o seguido. Sozinha na cidade decidi explora-la, andar pelas ruas, esperando que viesse a Carmo para palmar os ícones principais. Lancei-me a pé à descoberta seguindo um mapa, quando dei por mim, estava quase outra vez em casa e tinha visto uma boa parte do centro. As indicações na rua são as melhores para quem anda a pé. Dizem a direcção e o tempo que se demora. De placa em placa fiz a cidade sem dar por ela.

KL não me deixou indiferente, o desenvolvimento claro, embutido em verde envolve-nos no país, sem deixar margem a esquecimento. Senti-me apaixonada pela cidade, mas a paixão maior foi pelo povo malaio. Não foram poucas as situações que merecem relato de um povo hospitaleiro, acolhedor, resultado de misturas de varias origens, que às vezes se notam, outras se esquecem...
A estada da Carmo era de um dia, e cidade queria mostrar-nos um plano geral, de forma rápida e concisa, que se fixasse na memória... Ao pensar ter descoberto a pólvora, encontramos a melhor forma de ver a capital num dia - o Hop-on Hop-off, afinal típico e banal autocarro espalhado por todas essas cidades do mundo com algum turismo, incluindo a nossa Lisboa. Mas sentimos ter feita a escolha certa. No nosso ovo de Colombo batemos os pontos chave da cidade, ao sabor da vontade e do entusiasmo, já que tínhamos um chauffeur ao serviço...
As petronas, essas que são as torres gémeas mais altas do mundo, de nos prender a obliquidade, foram a paragem mais duradoura. De todas as perspectivas dão vontade de ser olhadas. Subir era o principal objectivo. Os bilhetes são gratuitos mas limitados a cláusula diária mas por desconhecimento total de causa chegámos depois da partilha. Com grande sorte ou algum acontecimento que não vem por acaso, a desistência de um grupo abriu vagas na hora exacta. Conseguimos subir! A felicidade transbordou-nos... Com direito a um filme de apresentação das torres mostrando o antes, o durante, os meios e as formas de construção destes edifícios de 88 andares, angariamos mais um souvenir para levar para casa: a vista da sky bridge, que liga as duas torres no 41º andar dos escritórios da maior empresa de petróleo da Malásia - Petronas!

Depois da cidade queríamos praia, em busca da melhor relação qualidade distância, descobrimos uma vila costeira, perto de uma ilha potencial destino de 2 dias, onde poisar e definir novos planos. Estava a chover quando, vindas da cidade de autocarro (que em termos de conforto vai além da classe económica de qualquer avião), chegamos a Cherating. Eram 4 da manhã, sugerem-nos que esperemos pela aurora na esquadra da polícia. Da paragem onde nos deixaram, que não era mais que um ponto algures na estrada que só eles o identificam, seguimos para a ansiada esquadra. Um alpendre de madeira, fazendo de hall de entrada da casa, com uns sofás de palha e umas almofadas um pouco usadas, e sem ninguém foi a nossa acomodação daquela metade de noite. O sol raiou e saímos em busca de algo... Num café que finalmente abriu tomávamos o pequeno almoço em silêncio e líamos nos olhos uma da outra: não é bem aqui queremos ficar... Na tentativa de marcar viagem para a então desejada ilha, outro cliente da agência de viagens, coisa que nunca falta na mais isolada terra de qualquer país da Ásia, sugere-nos uma boleia para a cidade mais próxima, já que aqui era impossível apanhar qualquer transporte para o destino escolhido. Era a 20 Kms dali, ele ia e vinha regularmente, estávamos com sorte no timing dele, seguimos.

Em vez de 3 dias ficámos apenas um em Kapas Island. Não por a ilha não ser fantástica ou paradisíaca, mas a estafante chegada com as malas às costas pelo imenso areal até um lugar não ocupado pelos trabalhadores de uma empresa malaia que decidira fazer naquela ilha um fim de semana de kick-off, e tempo fora do perfeito tirou-nos a vontade de parar aqui. O que nos valeu foi a preciosa e dedicada ajuda do coordenador da equipa nacional de kayaking que estava em treinos na mesma ilha, pois conseguiu com o seu telemóvel e a sua boa vontade e conhecimentos, alterar a volta pré comparada da ilha para mais cedo e ainda apanhar a tempo os nosso amigos locais que tão simpaticamente se tinham oferecido para nos comprar o bilhete de Marang para Malaka.
O dia ainda foi aproveitado, o tempo esteve do nosso lado, o sol e as águas transparentes e quentes consolaram-nos até depois do almoço. O barco partia as 4h, malas feitas e conquistada a ajuda de as levar até ao cais, seguimos viagem. Do outro lado esperavam-nos os tais amigos que nos tinham comprado o bilhete do transporte seguinte, que era só as 9e30 da noite. Mas não se preocupem, disse-nos um deles, vêm comigo até a minha guest house onde podem esperar até que sejam horas de embarcar. No momento da partida ainda nos levaram à estação, passando ainda por um minimercado para nos abastecermos para a longa viagem de noite, ficando connosco até que o autocarro certo viesse, não fossemos nos apanhar o errado...

A viagem nocturna deu-nos uma noite de sono tranquila até à cidade onde em 1511 chegaram os Portugueses. Que tipo de vestígios lusos haverá? Era o que vínhamos à procura. Mas também a praia estava na nossa ideia. A antecipação da chegada a este lugar trazia a vontade de poisar os malões e só de mochila procurar uma praiazinha para um último descanso antes do regresso a casa. Encontrámos uma estrada que se dizia vila nos arredores da cidade procurando sítio para dormir. Depois de rejeitado um, que nem o cansaço nem a vontade de chegar lhe deram hipótese, vagueávamos pela marginal sem destino ou direcção. Em acto de desespero vejo a Carmo a atravessar a rua como quem tem uma direcção escolhida. Segui-a. Perguntamos então a um casal que parecia aproveitar a tarde de domingo para passear, por um sítio para dormir. Venham comigo, levo-vos ate lá, não é mau de todo, ficámos lá a noite passada. Afinal era um resortzito com piscina e vista para o mar... não era mau de todo para os parâmetros dele, para nós era 5 estrelas... No caminho, em conversa perguntou-nos se já tínhamos almoçado. Respondemos que não. Sugeriu-nos levar a almoçar, ao que aceitamos unanimemente. Deixamos as coisas no hotel e fomos com eles. Onde nos estava a levar? Era um casamento, razão que os tinha feito vir passar o fim de semana aquela periférica aldeia. Não queríamos acreditar. Receberam-nos como se fomos convidadas conhecidas. Olá! Entrem, entrem, sejam bem-vindas. Sirvam-se, estejam a vontade. Venham dançar. Estávamos enturmadas. Com direito a uma fotografia com os noivos e com o resto das malaias, saímos da festa com pena de vir embora e com mais Amigos...

Malaka foi-nos mostrada por um chinês malaio. Afirma-se chinês, mas há 3 gerações que nascem na Malásia. Conhecemo-lo num seven eleven, quando tentávamos comprar um creme protector. Depois de termos rejeitado a sua sugestão de ir à cidade comprar, pois ali não havia, porque era longe, ofereceu-se para nos levar já que tinha de ir e vir... Fomos. Sugeriu-nos ainda jantar nesse dia. Combinámos ao fim do dia, fomos visitar a cidade à descoberta da herança portuguesa... Pouca... Jantámos na chamada vila portuguesa, onde teremos chegado há 5 séculos, que foge do típico, mas é acolhedor. Fala-se um nadinha de português, e come-se menos típico ainda. Mas a companhia estava boa e ficou vista a cidade!
Nesse dia tínhamos encontrado o único viajante português de toda a viagem! Foi preciso vir a Malaka para nos cruzarmos com um compatriota, ainda que filho de imigrantes na Alemanha e lá estabelecido, falava a nossa língua. Bebemos uns copos, partilhamos experiências de viagens, ele a começar, nós a chegar a meio, passámos uma bela noite num palco de um barzinho, eu na bateria e a Carmo no microfone. Valeu o tuga! Obrigada David. Boa viagem e manda noticias!
De Malaka seguimos para Singapura, de onde iríamos apanhar um avião para Portugal. A vontade superava-nos... os minutos eram horas, as horas dias... mal podíamos pensar que em menos de muito pouco estávamos a abraçar os nossos...

Ainda nos esperava um dia em Amesterdão, com uma vontade antiga de conhecer esta cidade aproveitei a escala para alargar o tempo de espera e poder correr os seus canais. Devolvemos o guia que Annie nos tinha emprestado na viagem HK – Xangai, sabendo que íamos passar em sua casa. Cicerone fantástica ainda nos deu um duche e boleia para o aeroporto. Bendita escala.

Até logo. Até já!

Thursday, August 2, 2007

Princesas em Bangkok

Já era tarde, passava da meia noite, quando procurávamos, o taxista e eu, a residência da embaixada portuguesa em Bangkok. As indicações que tinha levavam-me para o Royal Orchid Sheraton Hotel, costas com costas com o destino procurado, mas entre o pouco inglês do taxista e o meu nulo thai, a comunicação não era suficiente para perceber o óbvio. Depois de parar num seven eleven para carregar o telemóvel do senhor, ligámos para o número que eu tinha, era da Senhora Embaixatriz. Finalmente nos encontrámos.

A Carmo só chegava no dia seguinte, acabavam então finalmente as duas e longas semanas de separação, mas ainda faltava uma noite e um dia. A noite passou rápido, soube bem o serão. Em muito boa companhia e muito bem instalada, soube mesmo bem “estar em casa”. Não por não ser um hotel, ou uma guest house, ou mesmo por ser uma residência oficial… mas de repente na televisão viam-se telenovelas ou o Jornal da Tarde, os livros eram sobre os Açores, ou sobre fado, e a conversa era familiar, e em amena cavaqueira afastando as formalidades diplomáticas, criou-se o ambiente mais caseiro e acolhedor que podia esperar, fazendo daquele serão a vontade de outros iguais. Seguiram-se mais vários e bons serões em muito boa companhia.
No dia seguinte vaguei pelo bairro, andei pela Chinatown, entrei num dos milhares de templos budistas espalhados pela cidade, apanhei o barco de volta para casa, para em mais um magnifico serão, esperar pela Carmo, que chegava mais ou menos à mesma hora que eu tinha chegado, percorrendo também a sua própria odisseia.


Foram 5 principescos dias passados em Bangkok, pois a companhia dificultava o afastamento da cidade grande, além das possibilidades de visitar as famosas e turísticas ilhas Pipis, ou a não menos cobiçada Puket, ficarem fora do orçamento previsto, e fugirem do tempo disponível, havia alternativas. Apenas por 3 horas de camioneta e 15 minutos de ferry, estávamos numa ilha a sul da capital, igualmente paradisíaca, pelo menos para olhos cegos do resto, que nos encheria as medidas no fim de semana. Na sexta feira de manhã, de mochilinha às costas, antes de apanhar a camioneta em direcção ao tal paraíso, passámos pela costureira de sedas tailandesas, não perdendo a oportunidade de preparar uma indumentária oriental para casamentos que se avistavam em breve. Foram dois dias de descanso puro. Entre banhos e massagens, manicure e sumos de limão, descansámos e ganhámos uma corzinha, para voltar em beleza para os ditos casamentos.

A cidade foi-nos graciosamente mostrada por Keith, colaborador Thai da Embaixada, que se disponibilizou imediatamente para dar connosco a voltinha chave com direito a uma massagem no fim, nesse que é o melhor sitio de massagem tailandesa de sempre, mestre do que mais existe, sito no monumento onde descansa o maior Buda deitado do mundo. Confesso que as massagens a mim não me descontraem assim tanto, as cócegas falam mais alto que o tal relaxamento, mas tentado esquece-las, pensando noutro assunto, como quem vai além do além procurando o nirvana por meia hora, aquilo até relaxa e descontrai, e pode até tornar-se um vicio… Enfim, gostei da experiência.
O Palácio Real foi o ponto principal, deixando-nos com a máquina meia perdia sem saber em que direcção disparar… Tudo merecia uma chapa, tudo nos abria a boca, uma mistura de cores, de feitios, de invólucros, tudo com uma razão muito especifica de ser. Os macacos sem sapatos são deuses e os calçados são diabos… Devaneando no labirinto de templos, perdi a noção do tempo e do espaço deixando-me guiar pelo sentimento imediato que sabia exactamente o caminho a seguir… Jardins que me fixam a atenção, que monstram telhados que me fazem sentir na Tailândia.

Nem o norte montanhoso, nem os safaris de elefante foram preenchidos desta vez. Alguma coisa tinha de ficar por ver, não fosse haver falta de argumento para ter de voltar a visitar tão encantador país, que já foge um pouco àquele habitual desordenado e confuso do sudeste asiático. Fica um abraço da sorte na despedida, e um até breve no coração.


Até logo.